Para técnicos, ter duplo mandato, com meta de crescimento, é difícil, mas autonomia é vista com bons olhos
BRASÍLIA – Uma das 15 propostas da agenda econômica do governo, a autonomia do Banco Central (BC) incluiria um mandato duplo — ou seja, a autoridade monetária teria uma meta de inflação e outra de crescimento. Há, inclusive, uma proposta de emenda constitucional (PEC) sobre o assunto em tramitação. Mas, como devido à intervenção federal no Estado do Rio a tramitação de todas as PECs ficou suspensa, a autonomia do BC teria de ser feita por meio de um projeto de lei. Para a equipe econômica, o tema precisa ser avaliado com cautela, pois, no Brasil, a autoridade monetária não tem sequer autonomia operacional. Mas concorda que o assunto precisa caminhar. E avalia que, se o duplo mandato for a condição para garantir a autonomia do BC, então que o projeto siga adiante.
A proposta do duplo mandato foi apresentada pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que também quer criar mandatos fixos de quatro anos para a diretoria do BC. Jucá, que era o autor da PEC sobre a autonomia do BC, está agora elaborando um projeto de lei. A autonomia e o duplo mandato já existem em outros países, como, por exemplo, os Estados Unidos, onde o Federal Reserve tem de cumprir metas de inflação e de emprego.
Segundo interlocutores, o ministro Henrique Meirelles, da Fazenda, gosta da ideia de um duplo mandato, embora defenda discussão mais aprofundada. Os interlocutores ressaltam que a autonomia do BC é urgente para o ministro:
— Meirelles quer aprovar autonomia do BC. Autonomia se popularizou a partir de 1999 glo.bo/2GyoLx7 Se só der para fazer isso com metas de inflação, OK. Senão, vamos conversar.
A autonomia do BC será tema de reunião, hoje de manhã, no Palácio do Planalto, entre o presidente Michel Temer, o ministro da Fazenda e o presidente da autoridade monetária, Ilan Golfajn. O tema é tão caro a Meirelles que foi uma das condições para assumir o Ministério da Fazenda.
— Talvez o governo tenha de pagar o preço de estabelecer um mandato duplo para passar o projeto no Congresso — disse uma alta fonte.
Mas ter uma meta de crescimento não agrada ao BC, segundo técnicos da equipe econômica. Há dúvidas sobre os problemas que isso poderia acarretar. Nos bastidores, as principais questões são: quem definirá a meta de crescimento, se o Conselho Monetário Nacional (CMN) ou o Congresso, e que índices serão utilizados. Para alguns técnicos, essa meta seria inviável.
Pela proposta de Jucá, um indicador de crescimento seria o mercado de trabalho. Neste caso, a fonte poderia ser o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) ou a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que é mais completa e tem dados sociais como educação. Em 2017, por exemplo, a inflação ficou abaixo do piso da meta, com mais de 12 milhões de desempregados. Ou seja, se o BC já tivesse um duplo mandato, teria descumprido ambos.
— Nos Estados Unidos, funciona bem, mas não somos os Estados Unidos. Este BC é sério, mas, se entra uma equipe ruim, o que pode acontecer? — questiona o economista-chefe da Rio Bravo Investimentos, Evandro Buccini.
A proposta de Jucá prevê também que o mandato do presidente e dos diretores do BC iria até 31 de dezembro do segundo ano subsequente ao fim do mandato do presidente da República em exercício. No governo, a ideia é manter a atual diretoria até o fim do segundo ano do próximo governante.
Em conversa com corretoras e bancos de investimento, Meirelles disse que o governo não vê vantagem em tratar itens da Reforma da Previdência por projeto de lei. Ele disse que a reforma já estava desidratada e não valeria a pena fatiá-la mais.
Fonte: O Globo