Por Eduardo Campos | De Brasília
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) enviou à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) uma nova proposta de redação para o projeto de lei do Senado 350 (PLS 350) que busca pacificar sua atuação e a do Banco Central (BC) na defesa da concorrência e em processos de fusão e aquisição no sistema financeiro.
Em carta ao presidente da CAE, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o presidente do Cade, Alexandre Barreto de Souza, explica que BC e Cade assinaram um memorando de entendimento para atuação conjunta e coordenada. E apresenta a minuta de um projeto de lei que foi feita em conjunto com o BC. “O cerne da proposta consiste no compartilhamento das funções entre as duas autarquias para a análise de fusões e aquisições no sistema financeiro”, escreve Barreto.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) é relatora do PLS 350 e, segundo sua assessoria, deve acatar a nova proposta feita pelo Cade e pelo BC, pois o projeto melhora o ambiente concorrencial e dá segurança jurídica para as duas autarquias. A senadora prepara agora um novo voto para a matéria.
A apresentação desse projeto estava prevista, no memorando assinado pelos dois órgãos, para o fim de fevereiro. A minuta apresentada pelo Cade formaliza em lei os principais pontos abordados no memorando de entendimento prevendo que atos de concentração serão submetidos ao BC e ao Cade, que analisarão as demandas cada um de sua forma, mas com compartilhamento de informações.
O artigo 4º deixa claro que o BC poderá analisar de forma unilateral atos de concentração sempre que aspectos de natureza prudencial indicarem a existência de riscos relevantes e iminentes à solidez e à estabilidade do sistema financeiro. Sempre que esse for o caso, o BC se compromete a notificar o Cade no prazo de um dia útil, fundamentando sua decisão. O Cade, por sua vez, decidirá sobre a operação sem restrições, tendo por base as justificativas do Banco Central.
Mesmo com o BC fazendo a notificação desses casos, o projeto determina que as partes envolvidas também terão de avisar formalmente o Cade, sob pena de multa que varia de R$ 60 mil a R$ 60 milhões, e abertura de processo administrativo.
Na parte dedicada ao controle de condutas envolvendo instituições sujeitas à supervisão ou vigilância do BC, o projeto de lei prevê que cada autarquia decidirá, de forma independente e autônoma, sobre a existência de infrações, aplicando penalidades de acordo com a competência de cada um.
Quando o Cade decidir por sanções administrativas em razão de infrações à ordem econômica, como condutas anticoncorrenciais, o BC será consultado sobre possíveis riscos ao sistema e sobre a existência de informações que possam estar relacionadas com o caso em questão.
A nova lei ainda revoga o parágrafo 2º do artigo 18 da lei 4.595, que diz que o BC “regulará as condições de concorrência entre Instituições Financeiras“. E afirma que BC e Cade terão 180 dias contados da aprovação da lei para editar de forma conjunta as normas necessárias.
O texto sugerido pelo Cade e pelo BC é uma versão ampliada e detalhada do texto original do PLS 350, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que foi acatado na íntegra pela relatora. Em linhas gerais, o texto previa o compartilhamento de funções dos dois órgãos, deixando clara a competência do Cade para defender a concorrência no sistema financeiro e dando prerrogativa ao BC para analisar sozinho atos de concentração nos quais veja risco sistêmico ao sistema financeiro nacional.
O texto no seu formato original chegou a ser pautado para votação na CAE no começo de fevereiro, mas foi retirado a pedido do BC e Cade que já trabalhavam em um nova proposta. O tema também faz parte da Agenda BC +.
O acordo entre as duas autarquias e o projeto de lei encerram desavenças que completaram 20 anos envolvendo a quem competiria a prerrogativa exclusiva para julgar atos de concentração no setor financeiro.
A origem da disputa foi a compra do BCN pelo Bradesco, concluída em dezembro de 1997. Em 2002, o Cade notificou e depois multou o Bradesco por não ter comunicado a operação. O Bradesco recorreu alegando que tinha notificado o BC. O BC entrou na briga e, amparado por parecer da Advocacia-Geral (AGU) da época, avocou a competência privativa para esse tipo de avaliação prevista na lei 4.595.
Após nova onda recursal, em 2010, a ministra Elena Calmon do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a competência era do Banco Central. Como não poderia ser diferente, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o recurso do Cade foi negado monocraticamente pelo ministro Dias Toffoli em 2014, mas em abril de 2016 Toffoli se declarou impedido e o caso foi para o ministro Gilmar Mendes, que também se disse impedido. A relatoria, desde então, está com Celso de Mello. Os dois órgão também tentarão pôr fim a essa judicialização.
Fonte: Valor Econômico