A Comissão de Direitos Humanos (CDH) e outros colegiados continuam esperando que o governo defenda sua reforma da Previdência entre os senadores e faça o contraditório nos debates, afirmou o senador Paulo Paim (PT-RS) nesta terça-feira (26). A reclamação sobre a ausência de interlocutores do governo no Senado foi feita durante audiência pública da CDH sobre o impacto da reforma da Previdência para os servidores públicos.
— Nós temos aqui líderes do movimento sindical, dos servidores, dos aposentados, dos trabalhadores. Mas onde está o governo para explicar essa reforma? É por isso que até este momento ela é tida como indefensável, uma vez que até agora ninguém aceitou o convite para vir fazer o contraditório — desabafou.
O senador Styvenson Valentim (Pode-RN) concordou que falta esclarecimento. Quando o tema é a reforma da Previdência, ele declarou se sentir como o policial diante das duas partes envolvidas na ocorrência, mas só uma delas fala — no caso, pessoas contrárias à reforma.
— Estamos ouvindo um lado só, mas o Congresso precisa entender todos os lados e saber o que a população quer.
Styvenson sugeriu uma pesquisa de opinião conduzida pelo DataSenado. Para ele, as pessoas até desejam fazer um sacrifício para sanear os cofres da Previdência, mas antes precisam entender qual é esse sacrifício e o benefício resultante dele.
O presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais, Célio Fernando de Souza Silva, foi além: sugeriu um plebiscito para que a PEC 6/2019 tenha o aval da população.
Mais diálogo
O senador Flávio Arns (Rede-PR) concordou que ainda faltam dados concretos para a avaliação do tema. Como exemplo, citou a informação de que desde 2013 as pessoas empossadas no serviço público só se aposentam com o teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Para Arns, essa é uma informação que precisa ser mais difundida.
— O que falta é a gente pegar item por item da proposta do governo e ver o que já tem, o que pode melhorar. Não tem que aprovar em dois meses. É preciso dialogar. Todo mundo tem vontade de fazer dar certo, mas a gente conhece o que é o melhor, mais adequado?
Paim lembrou que é no Congresso, e não só na grande mídia, que se dá o debate.
— Infelizmente até o momento não conseguimos [ouvir o governo]. Ontem [segunda-feira, 25] estava confirmada a presença do secretário da Previdência e na última hora ele mandou avisar que não viria. O que é péssimo, porque o governo só está falando com a grande imprensa, mas é no Congresso que se dá o debate.
Presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques duvidou que o governo vá “discutir em campo aberto” sua proposta, pois, na opinião dele, ela seria pior do que a analisada anteriormente pelo Congresso (PEC 287/2016).
— O discurso do governo é alarmista e a reforma não se sustenta. O governo diz que o Brasil está quebrado, mas isso não é verdade. O que o governo está fazendo é acabar com a aposentadoria rural, reduzir o valor dos benefícios, penalizar as professoras e punir as mulheres. Mas os bancos continuam com seus lucros e as grandes fortunas, também. É por isso que o governo sumiu.
Cerco a sonegadores
O representante da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro José Silva, disse que o governo precisa ter mais R$ 1 trilhão em 10 anos — justificativa usada para propor a reforma. Silva, contudo, julga que esse dinheiro pode ser arrecadado por outras vias, que não “massacrando os trabalhadores”.
A solução, avaliou, é o governo fechar o cerco contra os sonegadores. Ele lembrou que o combate às fraudes já está na própria proposta do governo: seriam R$ 76 bilhões em 10 anos.
— Esse trilhão que se quer em 10 anos pode ser conseguido se a sonegação for combatida de maneira firme. Nós temos uma sonegação de R$ 230 bilhões por ano; se 30% forem cobrados, isso elevaria a arrecadação em R$ 68 bilhões por ano.
Além disso, afirmou, a Receita admite que a concessão reiterada de Refis diminui a arrecadação em R$ 11 bilhões por ano, ou R$ 110 bilhões em 10 anos. Esse benefício poderia ser cortado, na opinião de Silva. O auditor continuou o cálculo usando como exemplo os R$ 149 bilhões por ano de benefícios fiscais para seguridade. Cortando 20% nesses benefícios, seriam mais R$ 29 bilhões por ano, ou R$ 290 bilhões em 10 anos, estimou:
— Somando isso tudo, eu tenho um R$ 1 trilhão com combate à sonegação.
Para Silva, a proposta, da forma como veio do governo, será muito vantajosa para os bancos e para a lucratividade dos fundos de pensão.
— Em minha simulação, os bancos acabam ficando com a metade do patrimônio do trabalhador. É um faturamento de R$ 388 bilhões por ano. Esses são os trilhões das instituições financeiras.
O diretor da Unafisco disse ser inadequado falar de alíquotas progressivas (ditas escalonadas pela PEC 6/2019) para os servidores públicos.
— Esse trecho da proposta não tem fundamento teórico, porque no direito não existe escalonamento. Isso é progressividade, mas a progressividade não se aplica para Previdência, conforme já decidido pelo STF.
De acordo com ele, o desequilíbrio no regime de Previdência dos servidores (Regime Próprio de Previdência Social, RPPS) é causado pelo próprio Estado, que não vem repondo servidores nos postos deixados pelos que se aposentam. Além disso, a atual crise no regime próprio dos servidores seria decorrente de erros legislativos desde a promulgação da Constituição.
— A Constituição de 1988 admitiu 250 mil servidores que nunca tinham contribuído na integralidade e que se aposentaram com a integralidade dos vencimentos. Isso foi um erro legislativo (ou pelo menos uma opção, que seja) e agora a conta veio para o atual servidor. Até 1993, o trabalhador ficava dois anos no serviço público e se aposentava com a integralidade. Não fossem esses erros, a atual contribuição dos servidores e a participação da União, se bem aplicada, seriam o suficiente para a aposentadoria.
Terrorismo
Mauro Silva criticou a afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que os salários dos servidores serão reduzidos, caso a reforma da Previdência não seja aprovada. O senador Paulo Paim acrescentou que isso é uma forma de fazer “terrorismo”. Dos cerca de 657 mil servidores ativos do Poder Executivo Federal, 80% estariam recebendo hoje abaixo do teto do INSS, de R$ 5,8 mil. A informação foi dada por Sérgio Ronaldo da Silva, da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal.
O juiz Antônio José de Carvalho, coordenador da comissão que acompanha a reforma da Previdência na Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), criticou o que chamou de campanha de demonização dos servidores públicos — para ele, uma tentativa de responsabilizar essa categoria pelo rombo da Previdência e de comparar os salários dos servidores e dos trabalhadores da iniciativa privada para dividi-los.
Carvalho lembrou que as regras de contratação e dedicação dos servidores são diferentes das regras da iniciativa privada. Para exemplificar, ele citou o impedimento de exercer outras funções, de participar de empresas e de exercer alguns direitos garantidos aos da iniciativa privada. O juiz lembrou que, em geral, os servidores da iniciativa privada atingem a idade mínima antes do tempo de contribuição, e, no caso dos servidores públicos, essa relação é inversa.
— O servidor acaba contribuindo por mais tempo porque não passa por desemprego e informalidade, por exemplo.
A retirada de garantias previdenciárias da Constituição, que virariam lei complementar, foi criticada por vários participantes. Jordan Pereira, do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, comentou que a Constituição está lá para garantir os direitos contra a mudança arbitrária das regras e, mesmo assim, três emendas constitucionais já descaracterizaram a Previdência brasileira nos últimos anos.
— Isso aumenta a incerteza principalmente para os mais pobres — explicou Pereira.
Dignidade do trabalhador
Representante da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, a procuradora Rosana Cólen Moreno afirmou que a PEC 6/2019 coloca as pessoas à margem da dignidade e dentro da linha de pobreza, com um enorme custo social.
— Se a Previdência fosse deficitária, por que o mercado financeiro estaria tão voraz pegar os montantes da Previdência? O Ministério da Previdência falou em 2017 que os regimes próprios de Previdência dos servidores públicos estaduais têm patrimônio de R$ 160 bilhões. Para onde ele vai? Ninguém mais fala sobre isso, porque esse montante vai para o mercado financeiro.
O engenheiro Luís Roberto Pires Domingues Junior, que assessorou a CPI da Previdência no Senado, acrescentou que, embora a PEC 6/2019 tenha uma lista de coisas boas, como a impossibilidade da DRU na Previdência e impedimento de Refis, a proposta traz “a maldade” contra os servidores públicos nos detalhes.
— Se o texto passar como está, ele estaria propondo o fim do serviço público. Por exemplo, a mulher, que pode se aposentar cedo, mas ganhando menos. Para não perder no salário, ela vai ter de trabalhar 40 anos, como o homem. Então, que direito é esse?
Outros debates
A CDH já promoveu debates sobre a reforma da Previdência (25/2), a Previdência rural (11/3), a reforma para aposentados e pensionistas (18/3), para os profissionais da educação (19/3) e para os servidores públicos, nesta terça-feira (26).
As próximas mesas de debate sobre a questão tratarão do impacto para o setor empresarial (8/4), para profissionais da segurança pública e militares (15/4), para aposentadorias especiais de insalubridade, periculosidade e alto risco (22/4) e para professores (29/4). No mês de maio, os debates já agendados sobre a reforma serão sobre a Desvinculação das Receitas da União (DRU, no dia 6/5), sobre o impacto para os profissionais de saúde (7/5) e a sobre a relação da reforma com a auditoria da dívida pública (13/5).
Todas as audiências da CDH são interativas: perguntas podem ser feitas aos participantes em tempo real pelo Portal e-Cidadania, no site do Senado. Elas são transmitidas ao vivo pelo canal da TV Senado no Youtube.
Fonte: Agência Senado