Edição 22 - 8/2/2023

Artigo: Autonomia precisa ser intensificada em diversas direções


Reproduzimos o artigo “Autonomia precisa ser intensificada em diversas direções”. O texto, originalmente divulgado na quarta edição da revista digital Sinalizando (baixe aqui a revista), em 27 de janeiro, traz uma análise da Autonomia do Banco Central do Brasil à luz das decisões da 29ª Assembleia Nacional Deliberativa (AND), realizada em 2022.

Confira o artigo na íntegra abaixo:

O Banco Central do Brasil é essencial para a estabilidade econômica do país. E, menos de dois anos atrás, a instituição sofreu uma mudança significativa: os seus Diretores passaram a ter mandatos fixos, no que se convencionou chamar de “Autonomia do BC”, através da aprovação da Lei Complementar nº 179/2021 no Congresso Nacional. Passados tantos meses, já podem ser avaliados os impactos e resultados da referida Lei. Nesse sentido, os servidores do BC, no âmbito da 29ª Assembleia Nacional Deliberativa realizada pelo SINAL Nacional, de agosto a novembro de 2022, fizeram sua avaliação: a atual Autonomia do BC é incompleta e precisa ser intensificada em diversas direções.

Para início de conversa, um Banco Central verdadeiramente autônomo não pode prescindir das autonomias técnica, operacional, administrativa, financeira e orçamentária. Exemplificando a dificuldade: há mais de dez anos não é realizado um concurso público no BC. Tal situação é inadmissível, mas a Autarquia, por não ter autonomia administrativa, fica refém de autorizações do Ministério da Economia para realizar seus concursos públicos. Uma vez que o referido Ministério impôs um bloqueio inaceitável aos certames, o quadro ficou cada vez mais reduzido e, consequentemente, a sociedade brasileira sofreu os impactos de uma atuação reduzida de uma importante instituição pública.

Nos últimos quatro anos, o Banco Central teve seu orçamento anual gradativamente reduzido. Em alguns casos, a Administração da Casa teve de atuar firmemente junto ao Ministério da Economia para evitar que os cortes fossem ainda maiores. Como pode o BC planejar com eficiência sua atuação sem que haja os recursos correspondentes? E pior: sem a autonomia orçamentária, o Governo Federal pode, a qualquer momento, contingenciar os recursos do BC, inviabilizando muitas das atividades previstas ou mesmo interrompendo tarefas já em curso! Novamente, a sociedade brasileira é quem sofre as consequências.

As condições de trabalho dos servidores do BC também merecem mudanças. Pela altíssima complexidade e pela enorme responsabilidade das atribuições, bem como pelo valor de suas entregas à sociedade brasileira e pelos desafios a elas impostos em face das mudanças econômicas e tecnológicas, as carreiras de Especialista e Procurador do BC deveriam ser consideradas em Lei como exclusivas de Estado, nos moldes do disposto no art. 247 da Constituição Federal, além de terem definidas no diploma legal algumas prerrogativas funcionais que lhes dessem condições para atuar de forma plenamente autônoma.

Sugerimos também que haja um debate sobre como avançar na regulamentação atualmente vigente para fazer com que a indicação de novos Diretores do Banco Central não seja somente de “agentes do mercado financeiro” com a mesma ideologia das instituições financeiras a serem por eles fiscalizadas. Trazer outros integrantes que possam oxigenar a visão da Diretoria Colegiada do BC é tarefa fundamental.

Primeiramente, seria possível estabelecer uma composição mínima de integrantes da Diretoria da Autarquia a ser escolhida obrigatoriamente dentre os servidores de carreira da Casa. Isso, além de afastar um pouco a ingerência excessiva do sistema financeiro, poderia premiar os bons servidores com mais oportunidades de desenvolvimento profissional.

Em segundo lugar, seria importante mudar a Lei Complementar nº 179/2021 a fim de, nas indicações para a Diretoria do BC, haver a necessidade de que pelo menos 1/3 dos Diretores fossem provenientes de fora do Sistema Financeiro Nacional (ou seja, de setores como indústria, serviços, universidades, etc.).

Uma terceira mudança nessa direção seria, para alguns cargos de Diretor privativos de servidores da Casa, considerar que os próprios servidores pudessem elaborar uma lista tríplice a ser encaminhada ao chefe do Executivo. Isso ajudaria a evitar, por exemplo, o que aconteceu em 2022: a titular da Diretoria de Administração do BC ficou, de propósito, três meses seguidos sem se reunir com os representantes dos servidores da Casa. Diálogo entre as partes é fundamental, e a lista tríplice poderia facilitar isso nos casos de maior possibilidade de atrito (como a Diretoria de Administração do BC, por exemplo).

Mudando a linha de propostas aqui, entendemos que é importante para o BC ter sua ação não somente focada no controle da inflação, mas avançar em outras frentes e em parcerias com Ministérios e outros órgãos públicos correspondentes, por exemplo:

– Lutar pelo desenvolvimento do regime de metas de suavização das flutuações da economia e fomento do pleno emprego dos fatores de produção, com estabelecimento de metas de crescimento do PIB e ocupação da mão-de-obra no Brasil e método de persecução dos resultados determinados pelo Governo; e

– Atuar pela crescente integração das esferas de regulação e fiscalização dos mercados financeiro, de capitais, securitário e previdenciário complementar.

O BC é um importante player na economia nacional, e portanto deve ampliar ao máximo suas relações institucionais e seu diálogo com as demais esferas do Estado brasileiro, ainda que em assuntos fora do estrito controle inflacionário. O fato de este ser seu mandato, o controle de preços não lhe exime de estar atuante em outras frentes da economia do país.

Por fim, outra mudança que poderia ajudar, desta vez fora do alcance do BC, seria a reestruturação do Conselho Monetário Nacional, reservando espaço em sua composição para representação de outros agentes econômicos da sociedade: trabalhadores, indústria, comércio, agropecuária e serviços. Em vez de um CMN com apenas três integrantes, o novo Conselho poderia ser bem maior e mais representativo de setores da economia brasileira.

Apesar de todos os problemas enfrentados nos últimos anos, a atuação do Banco Central do Brasil, por meio de seu corpo funcional qualificado, trouxe bons frutos para a economia e para a sociedade brasileira. O bom funcionamento do sistema financeiro nacional, a invenção e o aperfeiçoamento do PIX, o estabelecimento do Open Finance, a criação do Sistema de Valores a Receber, o Real Digital, entre outros exemplos, demonstram muito bem a eficiência e a eficácia do BC. E não se pode negar que a Lei Complementar nº 179/2021 foi uma conquista importante para o Banco Central do Brasil. Após décadas de tramitação no Congresso Nacional, finalmente algum texto legal ligado à Autonomia do BC foi aprovado.

Contudo, a simples adoção de mandatos para os Diretores não trouxe à Autarquia uma autonomia plena. Há que se observar que, no período em questão, o Brasil, de uma forma geral, apresentou índices de crescimento baixos, taxas de inflação altas, desrespeitos constantes ao teto de gastos e outras medidas de desequilíbrio fiscal (que causaram inclusive a retirada de projetos sociais importantes do orçamento de 2023 e o contingenciamento dos recursos de diversos órgãos públicos no mesmo ano, quase inviabilizando as suas operações). Tudo isso pode indicar a insuficiência das novas ferramentas dadas ao BC para que desempenhe seu papel. Logo, para que tudo isso e muito mais venha ser corrigido, é imperioso reavaliar a Autonomia do Banco Central do Brasil, a fim de conceder a esta Autarquia mais condições para o desempenho de suas funções, o que com certeza traria ótimos resultados para a sociedade brasileira como um todo.

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