
Edição 73- 9/6/2025
Os perigos ocultos da PEC 65/2023 para o Pix e a inclusão financeira no Brasil
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, que visa transformar o Banco Central (BC) em uma empresa de direito privado, levanta sérias preocupações quanto ao futuro das políticas de inclusão financeira no Brasil e a evolução de suas ferramentas, com destaque para o Pix alcançando a 160 milhões de usuários cadastrados1. Sua confiabilidade, simplicidade e gratuidade para pessoas físicas permitiram que 63% dos brasileiros fizessem ao menos uma transação por mês em 2024. A gratuidade para pessoas físicas é um pilar fundamental dessa ampla adoção, que corre risco de ser comprometida com eventual aprovação da mudança do “status” jurídico do BC.
O Pix Automático não terá tarifa para os pagadores, embora as empresas recebedoras possam ser tarifadas. Essa ausência de tarifa para os usuários é crucial para a inclusão de milhões de brasileiros, especialmente os 60 milhões de pessoas que, segundo o presidente do BC, Gabriel Galípolo, não possuem cartão de crédito e teriam acesso a diversos serviços através dessa nova funcionalidade2. Caso o BC venha a ser transformado em uma empresa pública, passando a atuar com uma visão empresarial e não como de um prestador de serviço público, há um elevado risco de prevalecer a lógica de mercado (empresarial), que poderá levar à cobrança de taxas que afetariam a atratividade do uso da ferramenta ou inviabilizaria seu acesso por grande parte da população. Essa mesma situação poderia ocorrer de modo ainda mais gravoso em uma eventual concessão para o setor privado da gestão do Pix
As políticas públicas de inclusão financeira por meio da gratuidade do uso de suas ferramentas, como o Pix, tendem a colidir com os interesses do setor financeiro privado. O Pix, ao criar um ecossistema que dispensa um órgão centralizado para coordenar cada passo, inclusive permitindo que os participantes do mercado inovem por conta própria, gera ganhos de eficiência e reduz custos operacionais, passíveis de concorrerem com produtos e serviços oferecidos por bancos e instituições de pagamento. A transformação do BC em empresa de direito privado poderia abrir caminho para que os interesses privados influenciassem as decisões sobre a continuidade e o desenvolvimento de serviços como o Pix, priorizando o lucro em detrimento da inclusão.
Outro ponto crítico da PEC 65/2023 diz respeito aos servidores públicos do Banco Central. O desenvolvimento e aperfeiçoamento de inovações como o Pix são frutos do trabalho de um corpo técnico qualificado e dedicado. O presidente do BC, Gabriel Galípolo, ressaltou a importância do corpo técnico do BC e o auxílio dos Poderes Executivo e Legislativo nesse trabalho de ampliar as funcionalidades do Pix. Com a reforma proposta pela PEC 65/2023, esses servidores perderão as garantias constitucionais de estabilidade no cargo, tornando-os passíveis de demissão e, ao permitir sua substituição por recursos humanos menos custosos, pode acarretar a fragilização do Estado brasileiro, tornando-o mais suscetível a pressões indevidas com perda de qualidade.
A perda da estabilidade dos servidores do Banco Central pode levar à descontinuidade de projetos importantes e à perda de conhecimento institucional. A experiência e a autonomia técnica desses profissionais são fundamentais para a criação e manutenção de um sistema financeiro robusto e inclusivo. O diretor de organização do sistema financeiro e de resolução do BC, Renato Gomes, afirmou que o Pix Automático não representa apenas um avanço tecnológico, mas um compromisso do BC com inovação, eficiência e inclusão financeira. A fragilização da equipe técnica pode comprometer esse compromisso e a capacidade do BC de seguir inovando em prol da sociedade brasileira.
Portanto, a PEC 65/2023 representa uma ameaça às conquistas em inclusão financeira alcançadas por meio do Pix. O risco de uma possível perda da gratuidade, o conflito de interesses com o setor privado e a fragilização do corpo técnico do Banco Central são riscos que devem ser denunciados e cuidadosamente avaliados. A organização do Banco Central do Brasil como autarquia especial é a estrutura mais adequada para proteger o interesse público, pois assegura a continuidade de políticas financeiras inclusivas e impede que uma mudança de direção, com a aplicação de uma lógica meramente empresarial, favoreça de forma assimétrica o mercado financeiro. A conclusão é uma única: apenas uma instituição de caráter público, de Estado, pode prestar bons serviços a toda a sociedade.
1. Banco Central do Brasil. Pix Automático chega em 16 de junho. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/20713/noticia. (Acesso em: 05/06/2025)
2. Valor Econômico. BC lança Pix Automático nesta quarta-feira. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/06/04/bc-lana-o-pix-automtico-nesta-quarta-feira-saiba-como-funciona.ghtml. (Acesso em: 05/06/2025)