Edição 85- 1/8/2025

Sanções e soberania nacional – o caso OFAC, o Pix, as instituições financeiras e a PEC 65


A recente inclusão do ministro Alexandre de Moraes em uma lista de sanções da OFAC, agência do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos responsável por políticas de sanções financeiras e comerciais, levanta importantes questões sobre os limites da jurisdição internacional e os deveres das instituições financeiras brasileiras diante de medidas unilaterais de governos estrangeiros. Mais do que um episódio diplomático, trata-se de uma provocação à autonomia normativa do Brasil e ao equilíbrio institucional que sustenta o Estado Democrático de Direito.

A atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal deve ser avaliada pelas instituições brasileiras, dentro dos marcos constitucionais e legais do país. A tentativa de rotular decisões judiciais como “ameaças” à democracia ou à liberdade, sob o ponto de vista de interesses geopolíticos estrangeiros, é um precedente perigoso – tanto para a independência do Poder Judiciário quanto para a soberania nacional.

A OFAC atua com base em diretrizes da política externa americana, impondo restrições a indivíduos e entidades considerados contrários aos seus interesses. Suas listas — como a SDN (Specially Designated Nationals and Blocked Persons List) — têm aplicação obrigatória para pessoas físicas e jurídicas sujeitas à jurisdição dos EUA, incluindo bancos com sede ou ativos naquele país. Essas obrigações, contudo, não têm aplicação automática no Brasil, e não vinculam instituições brasileiras em território nacional

No Brasil, o bloqueio de recursos financeiros deve obedecer às normas internas e aos tratados internacionais ratificados pelo país. Duas leis brasileiras são especialmente relevantes nesse contexto:

A Lei nº 13.810/2019 – autoriza o bloqueio de bens e valores apenas quando decorrente de resoluções do Conselho de Segurança da ONU, ou, eventualmente, a partir de pedidos de cooperação internacional amparados por tratados ou acordos bilaterais. A Lei nº 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro) – também permite o bloqueio de valores e bens, mas sua aplicação exige decisão judicial fundamentada, com base em indícios de crimes como lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo. 

O simples fato de um nome constar em lista estrangeira não é suficiente, por si só, para acionar os mecanismos legais brasileiros de restrição financeira. Nesse cenário, é essencial que as instituições financeiras brasileiras atuem com prudência jurídica e respeito à legislação nacional. Submeter-se automaticamente a sanções unilaterais impostas por governos estrangeiros representa uma abdicação de soberania e pode configurar inclusive violação contratual ou abuso contra clientes que gozam da presunção de legalidade no Brasil.

O risco institucional para o Pix e o BC sob regime privado

Uma situação altamente preocupante emerge quando se considera o papel do Banco Central do Brasil (BC) como gestor da infraestrutura do Pix, o sistema de pagamentos instantâneos que se tornou peça-chave na vida econômica dos brasileiros.

Se o BC vier a ser, por força da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, juridicamente reclassificado como ente de direito privado com ativos em instituições financeiras internacionais, passará, do ponto de vista legal, a estar mais exposto à jurisdição estrangeira, especialmente a americana. Nesse cenário, poderia ser compelido a acatar sanções da OFAC, sob pena de ter seus próprios ativos congelados ou suas operações bloqueadas.

O impacto direto e concreto de tal situação pode atingir o Pix, importante instrumento da soberania financeira brasileira. Sendo o Banco Central o operador e gestor dessa infraestrutura crítica de pagamentos, qualquer ordem estrangeira exigindo restrição de acesso a usuários sancionados criaria um conflito jurídico grave. O BC se veria entre cumprir a lei brasileira, que garante a continuidade dos serviços de pagamentos, e enfrentar retaliações internacionais, caso não obedeça a ordens de sanções externas aplicadas em jurisdições onde mantenha ativos.

Essa hipótese ilustra a inconveniência e o risco sistêmico de deslocar uma função essencial de Estado — a política monetária e a gestão de pagamentos — para um regime jurídico mais vulnerável à pressão internacional. Não se trata de debate meramente técnico, mas de uma questão de soberania.

PEC 65: entre a aparência de modernização e a erosão institucional

A PEC 65, sob o pretexto de conferir maior autonomia ao Banco Central, silencia sobre os riscos associados à sua mudança de regime jurídico, em especial quando aliada à intensificação da internacionalização das finanças. Ao adotar uma linguagem ambígua — como “pessoa jurídica de direito privado integrante do setor público” — permite interpretações que reduzem as salvaguardas públicas contra ingerências estrangeiras.

Em tempos de crescente tensionamento político-ideológico no cenário internacional, a blindagem das instituições nacionais contra sanções unilaterais é uma exigência republicana e constitucional. O Estado brasileiro não pode delegar funções essenciais — como a emissão de moeda, a supervisão do SFN, a gestão da liquidez bancária ou a operação da rede de pagamentos — a um ente que, juridicamente, possa ser tratado como empresa privada no exterior.

A proposta da PEC 65 deve ser rejeitada, além de outros motivos, também por seu potencial de abrir brechas legais que colocam o sistema financeiro nacional sob risco de constrangimentos geopolíticos. A eventual transformação do Banco Central em uma entidade de direito privado representa, na prática, a abertura de uma porta perigosa por onde pressões externas podem se infiltrar nas engrenagens da soberania econômica nacional.

Soberania não se negocia

O caso das sanções contra o ministro Alexandre de Moraes é emblemático: revela como decisões tomadas fora do Brasil, com base em critérios políticos próprios, podem pressionar instituições nacionais e atores econômicos a agir fora do marco legal brasileiro. A tentativa de estabelecer alinhamento automático do sistema financeiro nacional às diretrizes da OFAC não apenas é juridicamente insustentável, como politicamente inaceitável.

É dever do Banco Central do Brasil, do COAF e de todas as entidades reguladoras reiterar que o Brasil adota uma postura jurídica autônoma em relação a sanções internacionais, e que não há base legal que imponha o cumprimento compulsório da lista da OFAC em território nacional, salvo em casos de tratados específicos ou ordens judiciais brasileiras.

É dever do Congresso Nacional, contribuir para que o Brasil possa assegurar e preservar sua soberania diante de pressões externas. Isso também passa por rejeitar projetos de reconfiguração institucional que, tais como a PEC 65, mesmo sob o pretexto de “autonomia”, criam riscos de subordinação ao capital e às diretrizes estrangeiras.

O Brasil precisa de instituições fortes, públicas e blindadas contra interferência indevida. O que está em jogo não é apenas a forma jurídica do Banco Central, mas o futuro da autonomia econômica do país.

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