COMÍCIOS

    Eu sei que as eleições já terminaram, entretanto, creio que sempre é oportuno abordar o assunto: depois que entrei para o time dos “enta” – fato que, sozinho, já me fez soprar mais de dez velinhas de aniversário – passei a viver de eventos. Nem bem acaba uma Copa do Mundo já estou de olho nas Olimpíadas, no Pan, Eliminatórias, Jogos de Inverno, etc. Enfim, se é disputa, seja qual for, “tô dentro”. Mas, o que eu gosto mesmo são de eleições. De síndico à Presidente da República. Acompanho programas eleitorais. Sofro crises de ansiedade ante as pesquisas. Coleciono nomes exóticos de candidatos e sei quem disputa as prefeituras das principais cidades brasileiras. Excelente tratamento de desopilação do fígado e saudável loucura iniciada num simples comício interiorano, depois de ter ficado frente a frente com o maior blefe da política nacional.        A noite estava gelada, mas, mesmo assim, minha mãe não fez por menos: vestiu a mim e a minha irmã com a roupa de domingo e nos arrastou pelas mãos para o coreto da praça central de Friburgo, onde, no início da noite, o candidato à presidente, Jânio Quadros, faria um “pronunciamento”. Contrariado, meu pai, eleitor do Marechal Lott, permaneceu em casa. Alegava ser absurda a idéia de se levar duas crianças para ficarem tiritando de frio, no sereno e em pé, na intenção de assistir a fala de um alcoólatra.          Era tarde quando houve o anúncio de que o candidato não participaria do comício. “Honrou” o compromisso, contornando a praça do coreto dentro de um automóvel, com o rosto na janela, ao tempo em que utilizava as mãos para cumprimentar duas pessoas de uma vez só. Na nossa hora mudou a estratégia: realizou o cumprimento escondendo a mão da minha mãe entre as suas, enquanto a olhava fixamente como numa súplica. Não esquecerei o olhar esbugalhado daquela figura desarrumada, de cabelos desalinhados, cuja caspa espalhava-se pelo terno escuro que, em intervalos e através de largos gestos napoleônicos, partia para um simulado sacrifício: mordiscava pão com mortadela!De volta para casa, ouvi suspeitas que as biografias do ex-presidente confirmam: – Tudo “armado”! Ensaiado! Até a caspa é falsa! É talco, pode apostar! – bradava meu pai.           Depois desse “aula” de marketing pessoal me tornei um “rato” de comícios. Pena que perderam a importância. Não havia necessidade de shows sertanejos; lanche e transporte gratuito; distribuição de camiseta e “algum” na mão, para o comparecimento das “comunidades”. Presenças como a de Tancredo, Ulisses, Brizola, Lula, FHC, Fernando Collor (ótimo orador e estupenda presença de “palco”), não só garantiam a festa cívica, como eram capazes de provocar um “frenesi” popular.        Hoje quem manda é o poder da grana! O que vale são os palanques eletrônicos, constituídos de escassos segundos de exposição na TV e no rádio, fator que, para parte dos candidatos, não lhes permite mostrar os trabalhos de base realizados no campo social, sindical, comunitário e filantrópico. Recusas ao oferecimento de “santinhos” são comuns até nas portas das igrejas. Quem elege são os imensos outdoors que ladeiam as avenidas e os iluminados painéis gigantes dos prédios. Antes, importantes catalisadores de votos e disputados a peso de ouro, os cabos eleitorais constituem-se em ferramentas enferrujadas. Quem recebe em dólar são os marqueteiros. Não basta possuir boa oratória. É preciso ser showman. Qualidades, por sinal, encontradas de uma só vez nos pastores religiosos. É por essas e outras que concordo com o Cony que, outro dia, no seu peculiar estilo, contou que: aqui no Rio, por exemplo, há um candidato que sempre se elege com boa votação. É um excelente sujeito, de boa pecúnia. Acontece que já vi, ao longo da vida, um sujeito que andou em disco voador, foi até Marte e voltou, trouxe até uma pedra vermelha que prova sua viagem. Um primo meu já viu Santa Terezinha nuns bambuais. Mas nem o primo nem eu jamais vimos um eleitor desse candidato.        Uma olhadinha rápida na listagem dos vereadores eleitos ontem, pode confirmar a tese. 

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