Decisão só em 2014

    STF inicia julgamento da correção monetária de planos econômicos, mas a solução ainda vai demorar

    VICTOR MARTINS
    » PAULO SILVA PINTO

     

    O primeiro dia de julgamento de planos econômicos dos anos 1980 e 1990, no Supremo Tribunal Federal (STF), foi de intenso embate entre os advogados dos bancos e o único defensor que falou em nome dos depositantes em cadernetas de poupança. A decisão, no entanto, ficou para 2014, após o recesso forense. Hoje, a Corte ainda ouve outros representantes dos poupadores e a Advocacia Geral da União (AGU). A questão tem mobilizado o governo, que destacou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para alertar os integrantes do Supremo sobre as repercussões da sentença sobre a economia e o sistema financeiro.

    O Palácio do Planalto teme que, se as instituições financeiras forem obrigadas a modificar a correção monetária aplicada às cadernetas na época, o país seja jogado em uma recessão por falta de crédito. A autoridade monetária estima que, se os bancos tiverem que pagar integralmente a fatura, que pode chegar a R$ 150 bilhões, a oferta de empréstimos e financiamentos no país encolheria em R$ 1,35 trilhão. As contas públicas também seriam afetadas pela queda de R$ 60 bilhões na arrecadação de impostos, um problema potencializado pelas agências internacionais de classificação de risco, que podem rebaixar a nota soberana do Brasil em 2014.

    O julgamento começou com um pedido do ministro Marco Aurélio pelo adiamento da sessão. Na avaliação dele, pela complexidade do tema e com a proximidade do recesso forense, seria mais proveitoso começar os trabalhos apenas em 2014. O ministro Celso de Mello rebateu que não via motivos para adiamento, e um debate se instalou na Corte. Em rápida votação, optou-se por iniciar o julgamento. Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes leram os relatórios do caso e, em seguida, deu-se espaço para a sustenção oral.

    O primeiro a falar foi Arnold Wald, em nome da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). O advogado lembrou que os planos foram implementados para combater a “inflação galopante” e não tinham o objetivo de lesar os poupadores. “Em todos os países, houve essa mudança (de padrão monetário para combater a carestia), mas em nenhum deles as medidas foram julgadas inconstitucionais”, defendeu.

    Representando o Itaú Unibanco, a advogada Cláudia Politanski classificou a reivindicação dos poupadores como “enriquecimento sem causa”. “O pleito dos autores desequilibra a relação contratual”, disse. “Faz pagar a mesma inflação mais de uma vez. Faz escolher o índice mais alto, o mais conveniente. Não é esse o objetivo da poupança, fere-se sua causa concreta”, argumentou.

    Interesses

    Eros Grau, ministro aposentado do Supremo, também estava entre os advogados do sistema bancário. Ele observou que a questão é de interesse geral, não apenas individual. Disse ainda que não há direito adquirido sobre índices e que a correção das cadernetas era definida pelo governo. “Seríamos tão ousados a ponto de admitir que cada poupador ou investidor tem o direito de impor o curso forçado da moeda que o Estado cria?”, questionou. “É necessário lembrar que os contratos mencionaram simplesmente o direito à correção monetária”, disse. “Qual correção monetária? Só podia ser a correção monetária fixada pelo Estado.”

    Houve tempo de ouvir apenas um advogado dos poupadores. “Os bancos alegam que a conta é de R$ 150 bilhões, mas o provisionamento deles nos balanços não mostra isso. O valor seria ao redor de R$ 8 bilhões”, disse Luiz Fernando Casagrande Pereira.

    “Não estamos discutindo a constitucionalidade ou validade desses planos. O debate é se os bancos deveriam ter aplicado o índice apenas nas poupanças que foram feitas a partir dali ou também nas que já existiam antes”, observou o advogado.

    Entenda o caso
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    » Brasileiros que tinham depósitos na caderneta de poupança durante os planos econômicos implantados pelo governo entre 1987 e 1991, para tentar combater a inflação, reivindicam o ressarcimento por supostas distorções nos rendimentos de suas aplicações.

    Bresser (1987):
    congelamento de preços e salários por prazo máximo de 90 dias. O afrouxamento na política se deu a partir reajustes mensais, admitindo a correção de eventuais desequilíbrios.

    Verão (1989):
    introduziu o Cruzado Novo e promoveu, entre outras medidas, a desindexação da economia, substituição de índices de preços e alteração da forma de remuneração das cadernetas de poupança.

    Collor I (1990):
    alterou a denominação do Cruzado Novo para o Cruzeiro e bloqueou saldos de depósitos à vista e de cadernetas de poupança superiores a 50 cruzados novos, além do valor de resgate de títulos diversos.

    Collor II (1991):
    nova tentativa de desindexação da economia, propondo a extinção “de todas as formas de indexação de contratos com periodicidade inferior a um ano e a criação da Taxa Referencial”.

    Os argumentos dos dois lados
    Defesa do governo e dos bancos
    » Com exceção do Plano Collor II, todos os outros pacotes não acarretaram prejuízos aos poupadores. Pelo contrário, ofereceram ganhos reais para os depósitos no período seguinte às mudanças.

    » Caso o STF decida a favor dos depositantes, haverá enxugamento de R$ 1,35 trilhão na oferta de crédito e queda de R$ 60 bilhões na arrecadação de impostos e tributos, com efeitos drásticos sobre a economia.

    » O Tesouro Nacional terá de capitalizar, com recursos públicos, a Caixa Econômica que, sozinha, terá que pagar R$ 50 bilhões aos poupadores.

    Defesa dos poupadores
    » A cada plano econômico, os rendimentos da caderneta ficavam menores do que a inflação, resultando em perdas aos depositantes.

    » No processo que envolve o Plano Bresser, os poupadores querem 8,04% de correção sobre o valor depositado na época; no Verão, 20,37%; no Collor I, 44,80%; e 2,49%; e no Collor II, 4,39%

    » Não há risco para o sistema bancário. A conta, segundo as entidades que representam os investidores lesados, é bem inferior aos R$ 150 bilhões alegados pelo BC. As estimativas variam de R$ 8 bilhões a R$ 18 bilhões

     

    Fonte: Correio Braziliense

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