BC eleva juros para 10%

    Com o aumento de mais 0,50 ponto percentual na Selic, o Banco Central enterra o sonho da presidente Dilma Rousseff de ter taxa de um dígito. Brasil se consolida como campeão mundial quando se mede o custo do dinheiro

    ANTONIO TEMÓTEO

     

    Com o aval da presidente Dilma Rousseff e seguindo o roteiro desenhado pelo mercado financeiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou, ontem, em 0,50 ponto percentual, a taxa básica de juros (Selic), de 9,50% para 10% ao ano. Foi o sexto aumento consecutivo e o último do ano. Com a decisão, tomada por unanimidade, a diretoria do BC enterrou de vez o sonho de Dilma de ter juros de apenas um dígito e taxa real (descontada a inflação) de 2% ao ano. Ela bem que tentou, ao obrigar o Copom a derrubar, em outubro do ano passado, a Selic para o patamar mínimo da história, de 7,25%. Mas, diante da disparada da inflação, da perda do poder de compra das famílias e da significativa queda de popularidade do governo, o BC foi obrigado a agir.

    A boa notícia para o Palácio do Planalto veio do comunicado pós-Copom: “dando prosseguimento ao processo de ajuste da taxa básica de juros, iniciado na reunião de abril de 2013, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic para 10% ao ano, sem viés”. O BC mudou o texto em relação aos quatro comunicados anteriores, nos quais justificou a alta de 0,50 ponto. Indicou que, no encontro de janeiro de 2014, a taxa básica poderá ter um aumento menor, de 0,25 ponto. Será o passo para encerrar o ciclo do aperto monetário iniciado em abril último. A despeito disso, o Brasil se consolidou como campeão mundial dos juros altos, com taxa real de 4,1%.

    Os economistas mais pessimistas veem a Selic avançando até 11% ao ano, devido à relutância da inflação, que se mantém próxima de 6%, quase o teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 6,5%. O Planalto torce, contudo, para que o BC seja comedido e pare nos 10,25%, a fim de tirar os juros do debate às vésperas do início da campanha à reeleição de Dilma. Causa arrepios na presidente da República a possibilidade de ela encerrar o seu mandato com a taxa básica acima dos 10,75% que recebeu de Lula. Pelo Boletim Focus, que reúne projeções de cerca de 100 analistas, a Selic chegará a 10,50% até março.

    Improviso

    Mesmo com todo o arrocho promovido pelo BC — alta de 2,75 ponto percentual na Selic —, a inflação mantém o fôlego. Há uma desconfiança generalizada por parte de empresários e investidores quanto ao real compromisso do governo de manter o custo de vida em níveis mais civilizados. A razão é simples: o Ministério da Fazenda continua gastando como nunca e recorrendo a truques fiscais para entregar superavits primários (economia para o pagamento de juros da dívida) fictícios.

    Desde que Dilma assumiu o controle da política monetária, para implantar o que ela chamava de nova matriz econômica, o governo passou a ser mais leniente com a inflação, apostando que o crescimento econômico, que andava minguado, fosse recuperar o fôlego. Ocorreu exatamente o contrário. As famílias viram o poder de compra diminuir, o consumo encolheu e os empresários suspenderam os investimentos produtivos.

    Resultado: o Produto Interno Bruto (PIB) desabou. Esse quadro ficou explícito, sobretudo, no primeiro trimestre do ano, quando a atividade cresceu apenas 0,6%, muito abaixo da estimativa mais pessimista, de 1%. Só depois disso, o Planalto se convenceu de que era preciso liberar o Banco Central para agir, enquanto ainda havia chances de se recuperar parte da credibilidade perdida.

    “O governo pagou um preço alto pelo experimentalismo. Mas, felizmente, voltou a prevalecer o bom senso”, disse um técnico da equipe econômica. Para ele, se a presidente Dilma insistisse em ouvir aqueles que defendiam a visão de que um pouco mais de inflação incrementaria o PIB, certamente ela enterraria as chances de permanecer mais quatro anos no Palácio do Planalto. “O BC recuperou o juízo e conseguiu convencer o Planalto de que a inflação precisava ser combatida com vigor. A desconfiança estava minando o PIB”, frisou.

    Atraso

    Na avaliação do economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank, Jankiel Santos, mesmo com a Selic 10%, o BC ainda cortará um dobrado para recuperar sua credibilidade. Segundo ele, o discurso do governo de que a carestia decorre de fatores internacionais não é uma justificativa plausível para ser leniente com a inflação, que está disseminada. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 70% dos serviços e produtos pesquisados estão tendo reajustes. O normal seria um índice inferior a 60%.

    Santos alertou que, ao não fazer a sua parte, fechando a torneira de gastos públicos, a Fazenda aumenta a responsabilidade do BC de elevar os juros. “Para o mercado, a sensação é de que a inflação não é vista como um problema dentro do governo”, afirmou. De acordo com o ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, na próxima reunião do Copom, uma nova elevação de 0,5 ponto na Selic deve ser anunciada, uma vez que as expectativas de inflação permanecem altas. “Mais importante do que um Pibinho é a inflação controlada”, alertou.

    Segundo o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, o ciclo de aperto nos juros para controlar o custo de vida começou atrasado e devagar. Na opinião dele, a autoridade monetária não fará o necessário para trazer o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o centro da meta, uma vez que existe interferência política no processo. “Seria necessária uma Selic na casa de 12% para trazer a inflação a 4,5% em algum momento de 2015. Mas isso implicaria redução do crescimento e menos emprego”, ponderou.

    Falta de vontade

    Para o economista-chefe do Banco Santander, Maurício Molan, a política monetária adotada nos últimos três anos não foi suficiente para consolidar as expectativas de inflação próximas ao centro da meta perseguida pelo Banco Central, de 4,5% ao ano. No entender dele, está evidente que o BC não tem vontade e instrumentos para derrubar a inflação com mais força. “Para mudar essa visão, o IPCA teria de ficar perto de 4,5% por um bom tempo”, detalhou.

    Desconfiança

    O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, acredita que a grande desconfiança no mercado em relação à política fiscal ajuda a manter as previsões inflacionárias próximas de 6%. “Existe uma incerteza sobre o que será a política fiscal nos próximos anos, e isso contamina a política monetária e a inflação. Gostaria de ver, na ata do Comitê de Política Monetária (Copom), um detalhamento melhor de como o Banco Central enxerga essa questão. A autoridade monetária fala em neutralidade das contas públicas sobre a inflação, mas os números não dizem isso”, enfatizou.

     

    Fonte: Correio Braziliense

     

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