ANTONIO TEMÓTEO
A possibilidade de o Senado votar ainda ontem o Projeto de Lei Complementar nº 99, que muda a correção das dívidas de estados e municípios, pôs o Palácio do Planalto em estado de alerta. Depois de fazer vista grossa e deixar o texto tramitar sem problemas, o governo agiu para conter os ânimos dos senadores, temendo que o país tenha a nota rebaixada pelas agências de classificação de risco, o que seria um baque para a candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff.
Na tentativa de tirar o projeto da pauta, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, foi obrigada a fazer um périplo pelo Senado. Mas saiu de lá sem a garantia de que terá o pedido atendido. Os parlamentares cobraram um encontro ainda hoje com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, de quem querem ouvir argumentos consistentes para adiarem a votação. Mas Mantega declinou. Os senadores terão de se contentar com Ideli.
Diante da recusa de Mantega, os parlamentares estão mais propensos a ouvir governadores e prefeitos, que veem na mudança da correção das dívidas uma forma de reduzirem as despesas com juros e de abrirem espaço para investimentos em obras.
De início, o governo apoiou abertamente a aprovação do projeto de lei, pois tinha a intenção de ajudar o prefeito de São Paulo, o petista Fernando Haddad, que enfrenta forte rejeição do eleitorado. Se mudança fosse aprovada, a dívida de R$ 55,6 bilhões do município cairia quase 40%, permitindo a prefeitura contrair mais débitos, que seriam pagos pelas futuras administrações. Como a mudança na correção seria retroativa a 1997 e 1998, quando foi feita a renegociação com a União, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs limites à farra dos gestores públicos, praticamente seria rasgada. Por isso, a ameaça das agências de risco de rebaixar o país.
Responsabilidade
O projeto prevê que as dívidas sejam corrigidas pela taxa básica de juros (Selic) ou pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano. O menor deles será usado. Hoje, os débitos são atualizados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP–DI), mais 6%, 7,5% e 9% ao ano, a depender do contrato.
Mesmo com o risco de implodir a pouca credibilidade que resta à economia do país, no que diz respeito ao gerenciamento das contas públicas, governadores e prefeitos, mesmo da base aliada, prometem fazer barulho a favor da aprovação das mudanças nas dívidas. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), e o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), reuniram-se ontem com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para cobrar o cumprimento do acordo firmado no ano passado. À época, os parlamentares condicionaram a aprovação do projeto de lei à apreciação, pela Câmara do Deputados, da matéria que trata do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no comércio eletrônico.
Genro, que será um dos principais beneficiados caso o Congresso aprove o projeto de lei, disse que as mudanças na dívida aumentarão a capacidade de investimentos dos estados. “Do ponto de vista da confiança dos mercados, postergar pode ter efeito contrário na economia. Por isso, sugiro que se construa um amplo diálogo com os líderes do governo no sentido de garantir que a proposta não seja vetada pela presidente da República”, completou. Richa engrossou o coro pela mudança no indexador dos débitos e reclamou dos gastos anuais com juros. “O Paraná renegociou uma dívida de R$ 5 bilhões em 1998. Mas, se os encargos continuarem como estão, o estado terá de pagar R$ 31,5 bilhões até 2028. Isso é um absurdo”, comentou.
Segundo técnicos do governo, o projeto de lei foi mal interpretado e, por isso, não é mais uma prioridade. “Agora, queremos mostrar ao mercado uma solidez fiscal, e isso passa pelo anúncio de uma meta de superavit primário robusta e um contingenciamento no orçamento. Não há, agora, espaço para mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal”, assinalou um assessor do Planalto.
Fonte: Correio Braziliense