O salto de 0,92% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro para março divulgado na quarta-feira passada não era esperado pelo mercado financeiro que levou um susto na véspera da publicação da ata do Copom. O documento, referente à reunião que elevou a Selic a 11 %, não adicionou expectativa de alta à inflação que, sozinha, já fez estrago ao antecipar a 6,15% a taxa acumulada em 12 meses. Essa variação era prevista para meses à frente. Poucos contavam também com uma queda tão expressiva do dólar ante o real na semana passada. A tendência, invertida momentaneamente na sexta-feira, neutralizou, na última sessão da semana os ajustes de contratos de Depósitos Interfinanceiros (DI) de forma a elevar as projeções para a Selic, mas as instituições financeiras não foram tão complacentes com as estimativas para a inflação – essas corrigidas na sexta a toque de caixa. Ontem, porém, o mercado correu para compensar o atraso. E, no fechamento dos negócios, a curva de juros já embutia elevação de 1,50 ponto percentual da Selic – 0,50 ponto por reunião em dezembro de 2014, janeiro e março de 2015, sob patrocínio do novo inquilino do Planalto.
O ajuste dos juros não surpreende Marcelo Kfoury, superintendente do Departamento Econômico do Citi Brasil, que em entrevista para o “Casa das Caldeiras”, blog da Redação do Valor, confirmou ter revisado as projeções para a inflação deste ano e do próximo e para a Selic de 2015 antes da ata. Para o IPCA deste ano a estimativa do Citi passou de 6,1% para 6,6%. Para 2015, a projeção subiu de 5,8% para 6,3% com a estimativa para os preços administrados avançando de 5,5% para 6,5% no ano que vem.
Kfoury vê o aumento da gasolina em 5% neste ano e para 2015 a cobertura do resto da defasagem, calculada no total em 15%. A energia elétrica já está sendo corrigida, na avaliação do economista, para quem o reajuste da Cemig e CPFL indicou que para todas as áreas os percentuais de correção das contas de luz serão elevados na ordem de 10% no ano que vem.
A seguir, os principais pontos da entrevista:
Valor: O aumento da projeção da Selic é inevitável?
Marcelo Kfoury: Considerando que a inflação deve subir cerca de 0,50 ponto acima do esperado em 2014 e 2015, o BC tem que aumentar aSelic pelo menos em 0,50 ponto também nos dois anos. Se não fizer isso, o juro real não sobe. Assim, elevamos a nossa projeção de Selic para 12,50% em 2015. No entanto, não mudamos a Selic deste ano porque identificamos a vontade do BC de parar o ciclo de aperto monetário. Mas querer não é poder. Querer, o BC pode. Vai depender da inflação. Os preços dos alimentos podem estar caindo em maio. Fazemos a nossa coleta para a pesquisa proprietária e já estamos vendo o IPA agrícola bem menos pressionado.
Valor: Se é assim, já dá para dizer que o choque está passando?
Kfoury: Veja, quando TOMBINI diz que o choque de preços é temporário, é óbvio que é temporário. Mas, mais temporário é o preço dos produtos in natura. No entanto, os preços das commodities estão subindo muito e acredito que, em parte, sobem por causa do clima no Brasil. O café subiu 80% e o CRB, que é o índice de commodities que inclui metais, está subindo 10% desde fevereiro. Esse movimento é importante, acreditamos, porque parte da apreciação do real é devida a essa alta das commodities.
Valor: Inflação no teto da meta, de 6,5% já não tem banda. Como acomodar choques?
Kfoury: As pessoas se acostumaram a projetar a inflação entre o centro da meta e o topo. E esse corredor é muito apertado e qualquer choque faz com que a inflação suba e vá para o teto da meta. E a inflação fica com frequência nesse corredor porque o BC mira o centro [da meta]. E quando há o choque de oferta que permitiria a inflação escorregar a partir de 4,5% e levar a um desconto de preços, com a demanda aquecida, um choque que diminui os custos acaba sendo convertido em lucros e não em preços menores para os consumidores. Com isso, o BC até deixou de falar no centro da meta.
Valor: E as expectativas…
Kfoury: A projeção para 2016, segundo a pesquisa Focus, está em 5,5%. Mas há muitos anos as projeções de inflação no longuíssimo prazo estavam no centro da meta. E não há justificativa para não estarem em 4,5%. Na verdade, a maioria acredita que há uma meta implícita de 5,5%. Devemos considerar também que na composição da inflação existem partes muito altas. A inflação de serviços está entre 8,5% a 9%; alimento sobe em média, de 2011 para cá, no geral, 9,2%. Portanto fica muito difícil conseguir colocar a inflação na meta, se metade dela está acima de 8% e numa época em que os preços tiveram o auxílio do câmbio e das políticas de desoneração.
Fonte: Valor Econômico