Por Tainara Machado | De São Paulo
A desaceleração da economia brasileira observada nos primeiros meses de 2014 é resultado da política monetária colocada em prática pelo governo para controlar a inflação, avalia professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Antonio Delfim Netto.
Em conversa por e-mail com o Valor, o ex-ministro da Fazenda afirmou que o crescimento de apenas 0,2% do país entre o último trimestre de 2013 e o primeiro deste ano “não surpreendeu ninguém, nem ao governo”, e que a política monetária está fluindo por seus canais normais. O que causa estranheza, diz, é que a inflação resista a ceder. Esse fenômeno, afirma, pode ser explicado pelo controle de preços e consequente piora das expectativas, o que torna o processo de desinflação da economia mais custoso.
Para Delfim, o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre foi ruim, mas bastante esperado. “As indicações eram que as coisas estavam caminhando de uma maneira muito desconfortável durante todo esse tempo”. Delfim, que tem afirmado que a relação de desconfiança entre setor privado e governo limitou a expansão da atividade doméstica nos últimos trimestres, disse que há um problema quase “ecológico” no Brasil atualmente.
“Formou-se um clima de hostilidade, um ambiente de negócios que o governo se esforça em negar, mas que existe e que influiu de forma importante para a redução nos investimentos e agora impacta também o consumo”. Entre janeiro e março, o consumo das famílias recuou 0,1%, primeira queda em bases trimestrais desde o terceiro trimestre de 2011, quando a economia dava sinais mais evidentes de desaceleração.
Para Delfim, a perda de força da demanda é resultado da política monetária colocada em prática pelo governo desde abril do ano passado e que elevou a taxa básica de juros da economia de 7,25% ao ano para 11% ao ano. Embora alguns economistas argumentem que a política monetáriaparece ter perdido eficácia nos últimos anos, para Delfim a alta de juros está funcionando “por seus canais naturais”. Houve importante redução do nível da atividade nos últimos meses, o ritmo do crescimento do crédito também desacelerou e a taxa de câmbio, que encostou em R$ 2,45, registrou alguma valorização e agora tem se mantida mais próxima de R$ 2,20. “São resultados típicos dos efeitos da política monetária feita para combater a inflação e não deveriam causar surpresa”, diz.
O que causa estranheza, no entanto, é a resistência da inflação, que segundo o ex-ministro da Fazenda é uma questão mais complicada. “Para a inflação cair era preciso reduzir as expectativas”. No entanto, o controle de alguns preços administrados, como de tarifas de energia elétrica e de combustíveis, por exemplo, resultam em expectativas de inflação mais elevadas, e não mais baixas, apesar da alta de juros. De acordo com o Boletim Focus do Banco CENTRAL, as expectativas para a inflação doze meses à frente está em 6,01%, mais alta do que a estimativa de 5,93% há quatro semanas. “Isso torna muito difícil o combate à inflação e muito custoso o processo”.
Para Delfim, outro resultado da desconfiança entre setor privado e governo é que o investimento não avança, mesmo com as concessões de projetos de infraestrutura para o setor privado. “É preciso haver um entendimento entre os dois setores, para que a ecologia do sistema, o ambiente se modifique”, comenta o ex-ministro. Há ainda a questão da escassez de poupança, que na avaliação de Delfim tem sido puxada principalmente pelo setor privado, “o que é um problema extremamente grave”.
Fonte: Valor Econômico