É a economia, presidente!

    Por Cristiano Romero

    Governos são bem avaliados pela população quando a economia vai bem. Mesmo aqueles que tomam políticas corretas, que beneficiam a maioria da população ou os menos favorecidos, só ganham reconhecimento quando a inflação está sob controle, o Produto Interno Bruto (PIB) se expande de forma razoável e a taxa de desemprego é pequena e cadente. O governo da presidente Dilma Rousseff possui méritos inegáveis em algumas áreas, mas falha onde não pode: na economia.

    Dilma iniciou o mandato, em 2011, disposta a fazer o que seu antecessor não fez por falta de vontade política. A primeira decisão foi encaminhar ao Congresso proposta de criação do fundo de pensão dos funcionários públicos federais (Funpresp), medida necessária para regulamentar a reforma constitucional que acabou com a aposentadoria integral dos servidores. Trata-se de um notável avanço institucional, uma vez que o regime anterior era financeiramente insustentável, além de socialmente injusto.

    A presidente teve que contrariar interesses dentro de seu partido, o PT. Foi corajosa e, mesmo assim, não teve, da parte do mercado e dos analistas econômicos em geral, o devido reconhecimento por ter avançado em aspecto tão importante para o equilíbrio das contas públicas no longo prazo.

    Boas iniciativas são obscurecidas por mau desempenho econômico

    Numa decisão histórica, o governo também acertou ao conceder a empresas privadas a gestão dos maiores aeroportos brasileiros. Uma vez mais, enfrentou a resistência do PT, contrário a privatizações. Por causa de interesses corporativistas, o modelo veio com uma jabuticaba injustificável – a participação da estatal Infraero com 49% do capital das novas operadoras -, mas, ainda assim, o controle e a gestão dos aeroportos passaram a ser privados, o que garante a eficiência do negócio.

    No momento seguinte, a presidente estendeu a concessão a outros setores da logística nacional onde há gargalos – rodovias, ferrovias e portos. No primeiro caso, já foram aprovadas várias concessões, ainda que de forma conturbada, após idas e vindas na fixação de regras para atrair o interesse privado. No caso das ferrovias, o modelo adotado ainda não pegou, enquanto, no de portos, ainda se está no meio do caminho (os privados já operam sob novas regras, liberalizantes, e os públicos ainda dependem de um aval do Tribunal de Contas da União para se reorganizar).

    A presidente Dilma adotou programas merecedores de elogio em outras áreas. O Ciência Sem Fronteiras, cuja ambição é permitir que 100 mil estudantes brasileiros estudem nas melhores universidades do planeta, é um deles. O Minha Casa, Minha Vida, gestado ainda no governo Lula pelo economista Nelson Barbosa, mas sob a liderança da presidente Dilma, também é um importante programa social. Já o Mais Médicos seria melhor entendido se não envolvesse a ditadura cubana, que explora seus médicos com regras anacrônicas, inaceitáveis para uma democracia como a brasileira.

    O problema é que os acertos da presidente são obscurecidos pelos equívocos cometidos na gestão macroeconômica. O pecado original foi a adoção de uma meta de natureza política, mais que econômica: a redução voluntariosa da taxa de juros. Em perspectiva, é possível constatar que todos os maus resultados da política econômica sob Dilma decorrem dessa decisão.

    A ideia de diminuir a taxa de juros a qualquer preço – fixou-se inclusive um número mágico para 2014: 2% em termos reais – prescinde, antes de mais nada, da tolerância com uma inflação mais alta. Daí decorre uma série de decisões, sendo a principal delas o congelamento do preço da gasolina, além da redução, em condições adversas, das tarifas de energia e do corte do IPI de uma série de produtos manufaturados num ambiente de consumo acelerado.

    O curioso é que, na estratégia batizada como “nova matriz macroeconômica”, havia múltiplos objetivos. O plano era baixar a taxa de juros, administrar o câmbio para favorecer as exportações (essencialmente, de produtos manufaturados), manter a inflação dentro do intervalo de tolerância (teto de 6,5%), expandir o gasto público, diminuir o superávit primário para favorecer desonerações tributárias seletivas, estimular o consumo via corte de impostos e aumento das transferências de renda. Em resumo, a ideia era crescer, reduzir o juro, desvalorizar o câmbio, acelerar o gasto público e controlar a inflação. Simultaneamente.

    Com o fracasso da estratégia, iniciou-se, talvez, a queda de braço mais longa e desgastante entre governo e mercado desde a adoção do regime de metas para inflação no Brasil. Brasília aceitou fazer inflexões nas políticas monetária e cambial, mas não na fiscal. O governo ainda acredita, mesmo em meio à redução da nota de crédito do Brasil pelas agências de classificação de risco e à ameaça de perda do grau de investimento, que aumentar o superávit primário é ceder a uma agenda dos rentistas. O cabo de guerra já dura mais de um ano, com terríveis consequências.

    Por causa dessa contenda, o Banco CENTRAL foi obrigado a elevar a taxa de juros a um patamar muito mais alto que o necessário – algo que, depois de um ano de carga, está provocando estragos na atividade econômica -, embora ainda insuficiente para levar a inflação à meta. Dada a inconsistência da política que faz o juro andar mais rápido porque a demanda do setor público não para de crescer, a principal consequência é o abatimento da confiança de empresários e consumidores, que, neste momento, registra níveis comparáveis aos da crise mundial de 2008/2009, quando o Brasil passou por uma recessão.

    Os efeitos da queda da confiança são mensuráveis: as vendas no varejo registraram, em março, o segundo resultado negativo desde dezembro de 2003; a taxa de investimento da economia, depois de um breve intervalo de tempo operando no positivo, voltou a entrar em território negativo no primeiro trimestre do ano.

    O governo se fia no baixo desemprego para sustentar que suas opções na gestão macroeconômica são corretas, mas, como advertiu Arminio Fraga, em entrevista à Claudia Safatle, do Valor, a semente do desemprego já foi plantada.

    Uma indicação disso é que o setor de serviços, o que mais cresceu nestes anos de forte estímulo ao consumo, começa a mostrar sinais de fadiga.

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

     

    E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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