Corte no IBGE não vai afetar pesquisas de conjuntura, diz diretor

    Por Diogo Martins e Denise Neumann | Do Rio

    Roberto Olinto, diretor de pesquisas do IBGE: rendimentos da PNAD Continua serão divulgados no início de 2015, no prazo

    Com 34 anos de casa, Roberto Olinto, coordenador do departamento que calcula o Produto Interno Bruto (PIB), assumiu a direção de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em um momento muito mais delicado que o sugerido pela quinta recessão técnica do país em 18 anos. Olinto agora coordena uma equipe de 545 pesquisadores (10% do corpo fixo da instituição) e viu duas pesquisas importantes — o censo agropecuário e a contagem populacional – serem adiadas por corte de verbas federais.

    O orçamento do instituto para a realização de pesquisas em 2015 foi reduzido de R$ 766 milhões para R$ 204 milhões (mais de 70%) pelo Ministério do Planejamento, com a única justificativa de que o corte faz parte de um contingenciamento de gastos federais e gastos dessa proporção não deviam ser autorizados no fim de um mandato. Olinto relativiza o impacto que o corte no orçamento do IBGE terá na instituição. As pesquisas conjunturais – de produção industrial, de vendas do varejo, de coleta de preços, de faturamento do setor de serviços e o próprio PIB, entre tantas outras sob o guarda-chuva da diretoria de Pesquisas – serão mantidas sem nenhum prejuízo de prazo e qualidade, diz ele.

    Ele reconhece que o “desejável” é que as duas pesquisas adiadas fossem feitas nas datas previstas, mas os motivos são exógenos ao IBGE. Entre as pesquisas já com calendário atrasado, ele informa que a POF entra em campo ainda no primeiro semestre de 2015 (quase um ano de atraso), os rendimentos da PNAD Continua serão divulgados no começo do próximo ano (ainda dentro do prazo) e a reformulação das contas nacionais, com os dados definitivos do PIB de 2010 a 2012, sai até março.

    “É preciso ser pragmático. Eu vou fazer o melhor dentro das condições que estão me oferecendo. Fazer o melhor possível significa também um trabalho da presidência do IBGE de discutir com os ministérios as nossas necessidades permanentes. Vamos continuar discutindo permanentemente nossas necessidades de orçamento”, diz ele, admitindo os reflexos do adiamento desse estudo para a sociedade. “Há impacto no uso dessa informação. Tem-se uma informação com uma intensidade menor do que o que seria desejado, mas isso é uma discussão que foge [ao IBGE]”, acrescenta, reforçando a ideia que o impacto não é pela qualidade, mas pelo atraso.

    Cláudio Crespo, assessor de Olinto na diretoria de pesquisas, reforça a avaliação de que o impacto do adiamento dessas pesquisas se reflete na sociedade. “É ela que tem o adiamento do conhecimento. A sociedade vai conhecer [a informação] em outro momento.”

    Embora Olinto e Crespo não avancem nessa seara, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), por exemplo, influencia a composição do Indice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Desde a última POF (de 2008-2009), alguns hábitos ganharam espaço e outros perderam peso no orçamento familiar. Essa mudança cria dúvidas, entre os economistas, sobre o quanto o atual IPCA capta, de fato, a inflação que onera as famílias. Sem uma boa medida de inflação, também a tarefa do Banco CENTRAL, de manter essa inflação na meta, fica mais complicada.

    A recente greve de 79 dias dos funcionários do IBGE e o debate em torno dos limites impostos ao instituto por anos de contingenciamento deixou impactos na instituição. Olinto conta que foram criados dois grupos de trabalho. Um vai discutir a carreira dos empregados efetivos, e o outro vai no contingente de trabalhadores temporários. O Valor apurou que, atualmente, os temporários somam 5.018 pessoas, ou 45% da força de trabalho do instituto, que totaliza 11.017 pessoas. Em dezembro de 2006, eram 1.958 temporários, o que indica uma alta de 156% nesse contingente desde então.

    Olinto não defende, e tampouco critica, essa relação. “Não sei qual o equilíbrio necessário”, diz ele. Como o IBGE sempre usou temporários, a questão, para o diretor, é definir qual a “boa” proporção. No último censo demográfico, o IBGE contratou 200 mil trabalhadores temporários. Seria impossível, argumenta, fazer o levantamento apenas com o quadro de funcionários da instituição ou contratar tal contingente por um período além do necessário. “O importante, em todas essas situações, é treinar o funcionário e garantir a qualidade da informação coletada”, pondera.

    Além de pleitear mais recursos, o IBGE pede mais funcionários. Hoje, o instituto tem 5.999 servidores no quadro fixo, sendo que 61% têm mais de 26 anos de serviço, dos quais 1.010 têm mais de 35 anos de serviço, ou seja, já têm direito à aposentadoria.

    Para Olinto, o IBGE precisa repor funcionários e as aposentadorias são um problema de médio prazo que não deve ser dramatizado. “Tem certos quadros que só vão se aposentar se conseguirem manter os seus trabalhos. Eu continuo coordenador de contas nacionais porque tenho um compromisso com a nova série [do Produto Interno Bruto], que será divulgada no ano que vem [em março]. Não foi possível criar mudança na área de contas. Então, estou acumulando duas funções. Não é nada agradável acumular duas funções. Dá mais trabalho. Mas isso é uma transição”, revela.

    Escolhido pela direção do IBGE em julho, Olinto diz que aceitou o convite por sua trajetória no instituto, onde diz já ter feito “de tudo”, ao longo dos 34 anos na casa. Experiência, tempo e credibilidade, cita ele, foram o que o conduziram ao novo cargo. Ao mesmo tempo, o engenheiro de sistemas formado pela PUC-RJ, com mestrado em engenharia de sistemas e doutorado em engenharia de produção na Coppe-UFRJ, ressalta que havia várias outras pessoas experientes e capacitadas para a função. “Há um grupo de dinossauros aqui no IBGE do qual faço parte. Outras pessoas com as mesmas credenciais tinham qualificação para o cargo”, afirma Olinto, instalado agora em nova sala, com ar condicionado, no décimo andar do número 500, da avenida Chile, no Rio.

    Para quem cobra mais transparência do instituto, Olinto defende o IBGE “com unhas e dentes”. “Sempre respondemos a todos, esclarecemos as metodologias, mas não entramos em polêmicas, muito menos a respeito dos resultados”, diz ele, trazendo, para a reportagem, uma cópia do “Código de boas práticas das estatísticas do IBGE”. Na seção 1, ponto 1.6 está escrito que o IBGE deve ser o único responsável por decidir sobre o uso dos métodos, normas e procedimentos estatísticos, assim como sobre o conteúdo e o calendário das divulgações estatísticas.”

    Ele substituiu Zélia Magalhães Bianchini, que havia assumido interinamente a direção de pesquisas do órgão em abril, quando Marcia Quintslr deixou o cargo, devido a problemas relacionados à divulgação da Pnad Contínua.

    Quando assumiu, Olinto alterou a configuração da diretoria de pesquisas, que passou a funcionar com dois diretores adjuntos, em vez de um. Os postos são ocupados por Zélia Magalhães Bianchini, que cuida das questões de metodologia estatística, e Cláudio Crespo, especialista em demografia e indicadores sociais. O objetivo dessa configuração é dar mais agilidade às pesquisas.

    O possível, segundo ele, será aprontar os cálculos de rendimento da Pnad Contínua até o fim deste ano para que sejam divulgados em 2015. Os estudos para se chegar a esses cálculos ficaram parados na greve dos servidores encerrada em agosto, mas já foram retomados. O IBGE precisa do cálculo para atender ao Congresso, pois o rendimento da Pnad Contínua servirá de rateio para o Fundo de Participação dos Estados. “A exigência será cumprida”, garante ele.

     

    Fonte: Valor Econômico

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