“Meta de inflação para 2016 é pouco crível”

    Por Silvia Rosa | De São Paulo 

    Para Carvalho, do BNP Paribas, seria desejável que a autoridade apresentasse cenário mais realista para melhor ancorar as expectativas do mercado O Banco CENTRAL tende a manter o ciclo de aperto monetário, com a taxa Selic devendo encerrar o ano em 13%, com risco de ir além disso dependendo das expectativas inflacionárias, diz Marcelo Carvalho, economista-chefe para a América Latina do BNP Paribas.

    “Se continuar tendo uma desvalorização significativa do câmbio nas próximas semanas, esse é um fator que joga lenha na fogueira nas expectativas de inflação e pode forçar o BC a ter de subir a taxa básica de juros mais do que se imagina.” Para Carvalho, será muito difícil que a inflação convirja para o centro da meta, de 4,5%, em 2016. Portanto, seria interessante que o BC apresentasse um cenário mais realista, indicando o recuo da inflação e a convergência para o centro da meta só em 2017. “Neste ano, a meta é totalmente inviável e para o ano que vem a meta do BC me parece pouco crível”, diz. 

    Valor: O BC pode apresentar uma mudança de cenário para 2016 na ata do Copom? 

    Marcelo Carvalho: Na ata, ele deve registrar as projeções, que devem ter piorado em função do câmbio. Mas é só no relatório de inflação que dirá com mais detalhes qual é realmente a projeção. Certamente ele vai ter de rever para cima suas projeções para este ano e ajustar as projeções para o ano que vem. O que significa que de duas uma: ou ele vai indiretamente dizer que vai ter de subir mais a taxa básica de juros porque a inflação esperada ainda não chegou em 4,5% ou em algum momento ele joga a toalha. Acho que é cedo para isso, mas é possível que em algum momento ele diga que fez um esforço grande, este ano a inflação vai ficar acima do teto da meta de 6,5% e o ano que vem está difícil de chegar em 4,5% e deve chegar lá só em 2017. Acho que se ele indicasse uma meta intermediária poderia ser positivo no sentido de melhor ancorar as expectativas e dizer exatamente onde ele quer chegar. O BC poderia dizer: nossa meta de inflação para o ano que vem vai ser de 5,5%, ela deve chegar a 4,5% em 2017. Isso parece que seria uma trajetória mais realista do que tentar perseguir 4,5% no ano que vem. Neste ano, a meta é totalmente inviável e para o ano que vem a meta do BC me parece pouco crível. 

    Valor: O BC conseguirá trazer a inflação para perto do centro da meta em 2016? 

    Carvalho: O BC já disse que espera buscar a meta de inflação, de 4,5%, no ano que vem, o que pouca gente acredita. Olhando as projeções de inflação do consenso de mercado elas estão acima de 5%, caindo um pouco nas últimas semanas, mas ainda não suficiente. Então, a meta de 4,5% de inflação para o ano que vem parece bastante difícil. A gente prevê 6%. Há fatores que ajudam e há os que atrapalham. O que ajuda do lado da inflação é que o crescimento vai ser muito fraco. Prevemos uma queda de pelo menos 1% do PIB neste ano, e pode ser até maior, 2% não está fora do radar. Isso ajuda a desaquecer o mercado de trabalho, o que é uma boa notícia para a inflação. O que atrapalha é o câmbio. A perspectiva é que ele continue se desvalorizando no ano que vem. Até porque não é uma história só do Brasil, mas uma história global, é o dólar se valorizando contra todo mundo. Outra coisa que não ajuda é a inércia. Muitos mecanismos de reajuste de preços do Brasil ainda olham para o passado, tanto os preços regulados, como aluguéis e o próprio salário mínimo, que tem uma regra que vincula o ajuste à inflação do período anterior. Por esses vários mecanismos, uma inflação alta neste ano acaba respingando na inflação do ano que vem também. Muito embora a gente não deva ter no ano que vem a intensidade dos preços administrados que estamos vendo este ano. O quanto precisaria, seria algo da ordem de 15% de taxa de juros caso o BC quisesse de fato trazer a inflação para o centro da meta de 4,5% no ano que vem. 

    Valor: Há espaço para o BC cortar a taxa de juros no fim do ano? 

    Carvalho: Nosso cenário básico é que o corte de juros seria só no ano que vem por conta das pressões ainda altas de inflação neste ano. Historicamente, raramente o BC fica mais que seis meses parado. O consenso de mercado para a Selic já chegou a 13% e tenho que repensar se está na hora de mudar a projeção de novo. Como na próxima reunião parece provável que ele faça mais um aumento, 13% parece até um piso, e não dá para descartar o cenário de ir além disso. 

    Valor: Quais os fatores que podem impedir o BC de desacelerar o ciclo de aperto monetário? 

    Carvalho: O fator mais importante é a inflação. Na inflação, a gente vê de longe as projeções de mais um ano de inflação fora do teto da meta (de 6,5%). Nossa projeção é de 8% para este ano por conta dos reajustes dos preços administrados, e esse quadro de inflação tem forçado o BC a subir a taxa de juros até mais do que inicialmente gostaria. Então, se a gente tiver um quadro em que a inflação e as expectativas de inflação não cedem e até pioram, pode forçá-lo a subir mais a taxa de juros. E um elemento importante para a inflação é o câmbio. Se continuar tendo uma desvalorização significativa do câmbio nas próximas semanas, esse é um fator que joga lenha na fogueira nas expectativas de inflação e pode forçar o BC a ter de subir a taxa básica de juros mais do que se imagina. 

    Valor: O câmbio a R$ 3 já está próximo do nível de equilíbrio? 

    Carvalho: A nossa projeção para o dólar era de R$ 3 para este ano, mas já chegamos lá. Para o ano que vem, nossa projeção é de R$ 3,20. Eu diria que o risco é de o câmbio ir para cima, dada as várias pressões tanto no cenário externo como no local. Estamos chegando mais perto do equilíbrio, mas não sei se a gente está lá ainda não. Dado o déficit da conta corrente, o meu receio que é estaremos contemplando um câmbio mais desvalorizado. 

    Valor: O grande diferencial de juros ainda atrai investimentos estrangeiros para renda fixa. O aumento do risco político pode comprometer esse fluxo para o Brasil? 

    Carvalho: Sem dúvida, o chamado “carry trade”, que busca aproveitar o diferencial de juros para aplicar no Brasil, existe, mas tem de ser ajustado pelo risco. E o risco crescente mina um pouco a atratividade desse diferencial. E afinal de contas, a taxa de juros está subindo não só para manter a atratividade para os investidores estrangeiros, mas basicamente por uma questão doméstica.

     

    Fonte: Valor Econômico

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