“Não há dose de radiação tão pequena que não produza um efeito colateral no organismo humano”.
O Sinal-DF tem sido cobrado por servidores do Banco Central em Brasília sobre a utilização do sistema de segurança e as possíveis consequências em sua saúde. Em resposta à essa demanda, o Sinal-DF solicitou ao diretor de administração, Altamir Lopes, um encontro dos servidores com a equipe responsável, para o qual aguarda confirmação.
Divulgamos resposta dada por especialista do CONTER – Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia, à consulta informal feita por um colega do Banco, que nos encaminhou pedindo providências.
Segundo o especialista, “o pórtico pelo qual vão passar os funcionários é um detector de metais, que não emite radiação ionizante… Contudo, há de se considerar que as pesquisas científicas sobre as radiações não-ionizantes ainda são bastante inconclusivas e não é possível mensurar seus efeitos com precisão”.
A preocupação maior, segundo ele, estaria no uso do escaneamento de bagagem feito com raio x, onde não há garantia de que não haja vazamento de radioatividade, ainda que em quantidade ínfima, mas que por ser cumulativo pode gerar problemas de saúde nas pessoas no longo prazo. Esses problemas podem ser mais graves para os operadores do sistema, que normalmente não tem formação para operar máquinas de raio x, nem utilizam vestimentas apropriadas para sua proteção. Hoje o consenso é que não há exposição tão pequena que não possa ser prejudicial ao organismo humano.
O Sinal-DF fez consulta formal ao CONTER sobre os riscos da utilização desse sistema de segurança no longo prazo.
Leia na integra o parecer informal dado por servidor do CONTER:
“Agradecemos a consulta, a preocupação é relevante. Infelizmente, na maioria absoluta dos casos, a instalação e uso destes equipamentos de segurança obedece a uma lógica de mercado e acontece sem a menor avaliação dos riscos inerentes ao emprego da radiação ionizante. Tanto é que os escâneres de inspeção de pessoas e bagagens já estão em funcionamento há anos em órgãos como a Câmara dos Deputados, Senado Federal, tribunais, presídios, aeroportos e outros espaços públicos onde se controla o tráfego de objetos e pessoas sem a necessária discussão sobre a melhor maneira de fazer isso. Nesse aspecto, o Brasil caminha na contramão dos países em desenvolvimento e seria de grande valia para a construção de um entendimento nacional que o Banco Central considerasse nossos argumentos antes de submeter seu corpo funcional a tamanha desnecessidade.
Pela observação da imagem que nos enviou, podemos afirmar que o pórtico pelo qual vão passar os funcionários é um detector de metais, que não emite radiação ionizante. Até onde sabemos, a onda eletromagnética irradiada por esses equipamentos não tem energia suficiente para ionizar células vivas, ou seja, não resulta em efeitos biológicos no corpo humano, seja em curto, médio ou longo prazo. Contudo, há de se considerar que as pesquisas científicas sobre as radiações não-ionizantes ainda são bastante inconclusivas e não é possível mensurar seus efeitos com precisão.
Entretanto, o escâner de bagagens que aparece na imagem, sim, emite radiação ionizante e, ainda que os níveis sejam baixos, está cientificamente comprovado que não existe limiar de dose que assegure risco 0, na medida em que as mesmas pessoas vão passar lá todos os dias sucessivamente, como a própria propaganda diz.
A unidade de medida da radiação ionizante é o milisievert (mSv). Abaixo, segue uma tabela com os níveis máximos de exposição recomendados no decorrer de um ano:
Fonte: ICRP-103/2007, Portaria ANVISA n.º 453/98 e CNEN-NN-3.01
No manual do equipamento, deve conter as doses de radiação ionizante que o aparato emite. De posse dessas informações e com base na tabela, será possível checar a relação entre as grandezas colocadas.
Segundo o relatório do grupo de trabalho sobre segurança nuclear da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (disponível na íntegra em: http://goo.gl/gJMk9B):
3.3 EFEITOS DAS EXPOSIÇÃO A BAIXAS DOSES DE RADIAÇÃO
A investigação dos efeitos somáticos como, por exemplo, o surgimento de alguns tipos de câncer e leucemia, levou ao questionamento de um limiar de dose de radiação – abaixo dele não existiriam efeitos biológicos. Hoje é consenso entre especialistas que os riscos da radiação estão relacionados a um modelo linear proporcional. Isto é: não há dose de radiação tão pequena que não produza um efeito colateral no organismo humano. Quanto maior a exposição, maior é o risco dos efeitos biológicos, existindo, assim, uma relação contínua entre exposição e risco.
Pois bem, os efeitos biológicos das radiações ionizantes se dividem em dois grandes grupos:
Efeitos somáticos: são aqueles que surgem apenas na pessoa que sofreu a exposição à radiação, não afetando futuras gerações. A gravidade desses efeitos depende basicamente da dose recebida e da região atingida. Exemplos de efeitos somáticos incluem queimaduras, vômitos, cefaleia, diarreia, infecções, anemia, obstrução de vasos, ou em casos mais graves de exposição, mutações do DNA, morte celular e câncer.
Efeitos hereditários: são resultados de danos em células de órgãos reprodutores e atingem os descendentes da pessoa que sofreu a irradiação. Eles incluem as mutações celulares.
Na literatura moderna, os efeitos se classificam em dois tipos: os estocásticos e os determinísticos. O primeiro ocorre em função de pequenas exposições por longos intervalos de tempo, não possuindo um limiar de dose e se manifesta, principalmente, por alterações genéticas malignas (câncer). Os efeitos determinísticos ocorrem em função de altas doses de radiação em curtos intervalos de tempo. Um indivíduo que seja exposto a uma alta dose no cristalino, por exemplo, terá catarata; um indivíduo exposto na região das gônadas poderá ficar estéril temporariamente ou permanentemente, em função da dose que recebeu. Uma irradiação de corpo inteiro ou uma contaminação, como ocorreu em Goiânia com o Césio 137, pode gerar efeitos imediatos como náuseas, vômito, diarréia, dor de cabeça e até mesmo aborto espontâneo, colapso do sistema nervoso e a morte do indivíduo.
Em nossa opinião, o uso da radiação ionizante para inspeção de segurança deveria ser exceção e não regra. Não há nada que justifique submeter os funcionários a esse processo todos os dias, pois, estatisticamente, é significativa a chance do desenvolvimento de efeitos biológicos em alguns indivíduos, principalmente, os que fazem parte dos grupos de risco, como grávidas, crianças ou pessoas com predisposição genética.
Na área médica, teoricamente, o diagnóstico por imagem só é usado em último caso. Se houver qualquer outro meio de diagnóstico, as radiografias são dispensadas. Na prática, infelizmente, a realidade é diferente. Alheios aos riscos, radiologistas adotam o exame radiológico como rotina, principalmente, em tratamentos intensivos. Isso ocorre por razões econômicas, tratam-se de procedimentos caros e com alta rentabilidade.
O uso da radiação ionizante deve obedecer ao princípio da universal da Justificação, ou seja, o emprego dos raios X para a obtenção de uma imagem radiográfica só se justifica quando o benefício é, inquestionavelmente, mais importante que os riscos decorrentes da exposição. Não é o caso, consideramos dispensável inspecionar os funcionários do Bacen todos os dias.
Nossa preocupação é maior com as pessoas que vão operar esses equipamentos. Geralmente, são trabalhadores terceirizados e sem a formação mínima necessária prevista na Lei n.º 7.394/85 e no Decreto n.º 92.790/86.
A radiossensibilidade celular está diretamente relacionada à taxa de reprodução do grupo celular. Quanto maior a taxa de reprodução, maior a radiossensibilidade. Então as células da pele, tireóide, gônadas e cristalino estão mais suscetíveis aos efeitos biológicos das radiações ionizantes. Portanto, devem estar protegidas no momento da exposição. Lamentavelmente, os operadores desses equipamentos na área de segurança trabalham sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e sem um controle das doses absorvidas.
Em resposta ao Ministério Público Federal (MPF), nos autos do Inquérito Civil n.º 1.16.000.000094/2011-62, a Infraero afirma que os escâneres de inspeção são seguros e não representam risco à saúde por serem dotados de uma cavidade interna, blindada e protegida.
O CONTER refuta o argumento, pois não existe nenhum equipamento de raios X sequer que tenha a ampola geradora da radiação ionizante exposta. Todas são, de fato, internas. Todavia, não são totalmente blindadas e, muito menos, “protegidas”. O fato de a fonte emissora de radiação ficar dentro do equipamento não evita a dispersão dos raios X que são emitidos, é o que se chama de radiação secundária.
Em resumo, isso significa dizer que quando um feixe de raios X é acionado e entra em contato com a superfície a que foi direcionado, embora seja colimado, há o espalhamento de radiação ionizante no ambiente. De maneira imediata, não representa risco, pois essa é considerada uma radiação de baixa intensidade. Todavia, os raios X possuem efeito acumulativo e estocástico e, em médio e longo prazo, podem resultar nos efeitos biológicos supracitados.
Pior é perceber, como dissemos no início, que a compra e uso desses equipamentos não acontece por razões de segurança e sim, por uma lógica de mercado. As máquinas estão sucateadas na Europa e nos EUA, sendo recondicionadas aqui e revendidas em países pobres, onde prevalece o argumento do medo. A preocupação com a segurança é verdadeiramente tão secundária que os operadores não são devidamente treinados para fazer a leitura das imagens radiográficas e todo o processo acaba por ser ineficiente.
Em novembro de 2013, veiculamos o documentário Revista da Morte, que aponta uma série de abortos suspeitos que aconteceram em um presídio no Espírito Santo, em nossa opinião, por conta do mal-uso dos escâneres de retrodispersão. Recomendamos que assista e compartilhe com seus companheiros de trabalho: https://www.youtube.com/watch?v=bvufJtmoVeo
Sugerimos, ainda, que sejam observadas as disposições contidas na Portaria ANVISA n.º 453/98, na NR 32, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e na Convenção OIT n.º 115, que dispõem sobre a proteção radiológica dos profissionais da saúde, mas também servem como parâmetro de segurança para a definição da estrutura de funcionamento de qualquer serviço radiológico, independentemente de sua finalidade.
Se houver necessidade, podemos emitir um parecer formal assinado pela diretoria executiva do CONTER”(*)
(*) O Sinal-DF solicitou formalmente ao CONTER o parecer técnico.