A aprovação pelo Senado de projeto de lei que concede reajuste para os servidores do Judiciário preocupa não apenas pelo impacto direto que terá sobre as contas públicas ao longo dos próximos anos. Investidores seguramente vão exigir um prêmio de risco ainda mais alto na rolagem da dívida pública, diante de um governo fraco para mobilizar a sua base parlamentar e um Congresso que exibe baixíssimo compromisso com a responsabilidade fiscal.
Na última quarta-feira, o Senado aprovou o Projeto de Lei 28/2015, que autoriza um reajuste de 59% a 78% nos vencimentos dos servidores do Judiciário. A proposta original é de iniciativa do presidente do Superior Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, e foi enviado à Câmara dos Deputados no ano passado.
A presidente Dilma Rousseff, que na época tinha uma base política aliada mais sólida, conseguiu impedir que o projeto fosse adiante. Neste ano, o quadro mudou dramaticamente, e o dispositivo foi aprovado no Senado por 62 votos a zero, com o apoio até mesmo dos senadores do PT.
Segundo as estimativas do governo, o projeto irá provocar despesa de R$ 25 bilhões nos próximos quatro anos, dos quais US$ 1,5 bilhão neste ano, dinheiro que não tem previsão no Orçamento. O gasto saltará para R$ 5,3 bilhões em 2016 e, e nos dois anos seguintes, subiria respectivamente para R$ 8,4 bilhões e R$ 10,4 bilhões.
O impacto direto nas despesas do governo tenderia a ser ainda maior, já que o Ministério do Planejamento espera um efeito cascata, com as categorias do Executivo e Legislativo exigindo percentuais semelhantes de aumento. Para pagar essa despesa adicional, a alternativa provável são novas rodadas de aumento de impostos, já que as despesas públicas têm rigidez bastante conhecida.
Os dados apresentados pelo Ministério do Planejamento mostram que hoje existe uma diferença salarial de 60% entre os servidores do Executivo e do Judiciário, que seria ampliada para 170%, caso o projeto seja executado como aprovado.
Entre 2005 e 2008, todas a carreiras do Judiciário tiveram reajustes perto de 60%, mas seus vencimentos não tiveram ganhos nominais nos quatro anos seguintes. Entre 2012 e 2015, foi concedido um reajuste de 15,8%, pago em três parcelas. Os cálculos do STF são de que os servidores têm uma defasagem salarial acumulada de 49,62%.
Agora, a proposta do governo, que vale para todo o Judiciário e para os funcionários dos demais poderes, é conceder um reajuste de 5,5% em 2016, de 5% em 2017, de 4,8% em 2018 e de 4,5% em 2019 – ou seja, a inflação projetada pelos analistas do mercado financeiro para o período. O objetivo das autoridades da área econômica é estabilizar a despesa em 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) nesses quatro anos.
O poder de barganha do governo talvez fosse maior se a inflação estivesse sobre controle. A alta de preços ao consumidor acumulada desde 2006 é de 73,2% e, com o índice de preços correndo em 9% em 2015, não será nada fácil convencer os servidores a ignorar a inflação passada e mirar o futuro.
Mas, na essência, os servidores públicos não estariam submetidos a dieta muito diferente da imposta pelo Banco Central aos trabalhadores privados, com uma recessão que procura forçar os reajustes reais de salários a se alinharem com os ganhos de produtividade da economia.
Assim, seria no mínimo inoportuno extrair recursos do resto da sociedade, por meio de alta de impostos neste período de sacrifício, para pagar o aumento pretendido pelos servidores do Judiciário, ainda que se admita a hipótese de que a reivindicação é justa.
Felizmente, o reajuste tal como aprovado não deve prosperar porque fere pelo menos dois preceitos constitucionais. O artigo 169 da Constituição Federal veda a concessão de qualquer aumento sem prévia dotação orçamentária e que não tiver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O projeto de lei não atende a nenhuma dessas exigências.
O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, já indicou que o governo pretende vetar o projeto. Mas esse não será o fim do problema, pois o governo Dilma terá que negociar uma alternativa com o presidente do STF e com o mesmo Congresso que aprovou o reajuste. O mínimo que se espera é que, nessa negociação, quem propuser o aumento, que indique como pagar.
Fonte: Valor Econômico