Se a incerteza quanto ao resultado da política fiscal neste ano incluía um prêmio nos ativos financeiros, a certeza de que o Brasil não economizará nem de longe 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para pagar os juros da dívida pública inclui “dois” prêmios. Essa é a mensagem enviada por investidores e tesourarias bancárias ao governo com a elevação acelerada dos juros e do dólar na quinta-feira – primeiro dia de operações após o anúncio da revisão da meta de superávit fiscal.
À decepção com o naufrágio da economia brasileira em seis meses do segundo mandato de Dilma Rousseff e ao ceticismo com a possibilidade de o Brasil voltar a ter crescimento sustentado somam-se dois novos elementos para a reunião do Comitê de Política Monetária(Copom) da próxima semana: a releitura do discurso “dovish” (inclinado ao afrouxamento monetário) assumido e reproduzido com insistência pelo comando do BC desde o fim de junho e a expectativa de como o comitê vai incorporar a mudança na trajetória fiscal à condução da política monetária. A começar pela definição da Selic que entra em vigor no dia 30.
Até a ata de junho – último documento escrito da autoridade monetária -, o comitê considerava “que no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não descarta a hipótese de migração para a zona de contenção”. Ainda na última ata do Copom, o comando do BC afirmava sobre o combate à inflação que “a literatura e as melhores práticas internacionais recomendam um desenho de política fiscal consistente e sustentável, de modo a permitir que as ações de política monetária sejam plenamente transmitidas aos preços”. Essa visão do Copom, certamente, não combina com as contas que começaram a ser feitas ontem e apontam que a dívida bruta do setor público vai ultrapassar 70% do PIB em algum momento entre 2017 e 2018.
De 30 bancos e consultorias ouvidos pelo Valor nos últimos dois dias, 20 projetam alta da Selic em 0,50 ponto percentual na quarta-feira que vem, com a taxa avançando dos atuais 13,75% para 14,25% ao ano; 9 esperam elevação de 0,25 ponto, para 14%; 1 instituição manteve estimativa de 15%, para revisão. Para a Selic de dezembro deste ano, 14 de 29 fontes contam com mais alta de juro e taxa a 14,50%; apenas 2 instituições calculam que a Selic pode recuar. Todos os 27 profissionais que enviaram projeções ao Valor para o próximo ano veem queda de juro em 2016. A metade desse time prevê taxa básica entre 11,5% e 12% em dezembro e confirma a percepção de que a política fiscal deve travar a flexibilização dos juros para que se evite o descontrole da inflação.
Sinal de que a revisão da meta de superávit primário ainda poderá justificar um rebalanceamento de expectativas para a próxima Selic, de 20 instituições que haviam encaminhado até o início da noite de quarta-feira suas projeções para a taxa Selic a ser definida neste mês, apenas 1 revisou o dado – a alta esperada recuou de 0,50 ponto para 0,25 ponto percentual.
“Embora as declarações recentes de diretores do BC tenham reduzido de 80% para 60% a probabilidade de aumento da Selic em 0,50 ponto na semana que vem, elevando de 20% para 40% a chance de alta de 0,25 ponto, um conjunto de informações aponta para a necessidade de manutenção de juro real mais elevado em prazos mais longos, se o Banco Central continuar focado na convergência da inflação para 4,50% de 2016 para frente”, pondera Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners.
Essa avaliação contribuiu para sustentar ontem a escalada dos juros negociados na BM&F em contratos de Depósito Interfinanceiro (DI).
O economista explica que entram nesse conjunto de dados que sinalizam política monetária mais forte: a perspectiva de que o setor público perseguirá meta de superávit “bem menor” que o original até 2018; o fato de o Brasil já conviver com PIB potencial menor; e a dificuldade de o governo cortar gastos, devido à vinculação de receitas a várias despesas.
Na BM&F, as taxas futuras ainda embutem maior chance de desaceleração do ciclo de alta da Selic. Mas a probabilidade de avanço de 0,25 ponto caiu de 89% para 72% ontem.
Consultado sobre a decisão do Copom na semana que vem, o economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor de assuntos internacionais do BC, confessou que esse cálculo “ficou mais difícil depois do discurso do Tony Volpon [diretor do BC] e comentários sobre o discurso. O discurso, em consonância com suas outras intervenções recentes, sugere um Copom confiante e até certo ponto complacente com um imaginado processo desinflacionário. Complacente porque acredita em seus modelos de formação de expectativas, desconhecidos de todos nós”.
Vieira da Cunha, sócio-diretor da ICE Canyon, responsável por estudos e pesquisas econômicas na instituição, não vê choques que envolvem bens administrados dissipando-se rapidamente. “[Em alguns segmentos] o repasse e duradouro e prolongado, com impactos prováveis ao longo de 2016”, cita o economista, chamando atenção para processo semelhante que ocorre com serviços – “retroalimentados pela inflação passada como tarifas escolares que serão reajustas no início de 2016”.
O economista afirma que os choques e a inércia, reforçados pela baixa credibilidade do BC, tornam “o processo desinflacionário lento, pese a tremenda recessão e aumento dos hiatos, seja no mercado de fatores ou de produtos”.