A aprovação da independência formal para o Banco Central em um eventual governo de Michel Temer seria uma sinalização positiva para o mercado, mas não é vista como prioridade pelos analistas dada a urgência do avanço do ajuste fiscal. Economistas também avaliam que a adoção de um duplo mandato do BC, que passaria a perseguir metas de inflação e emprego, poderia causar ruídos e exigiria uma comunicação transparente da política monetária.
Para a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, a independência formal do BC ajudaria a melhorar os fundamentos macroeconômicos do país.
Durante o governo Dilma Rousseff, a autonomia do BC, que hoje é operacional, uma vez que o presidente da instituição tem de prestar contas ao Senado, foi questionada pelo mercado com o aumento dos ruídos sobre possível ingerência do governo na política monetária. Essa percepção ganhou força em dois episódios. O primeiro deles foi durante o primeiro mandato de Dilma Rouseff, em 2011, quando o BC surpreendeu o mercado ao reduzir a taxa Selic em 0,5 ponto, para 12% ao ano, contrariando, na época, a expectativa de estabilidade.
Neste ano, a autonomia da instituição voltou a ser questionada pelo mercado diante da repentina mudança de sinalização do BC um dia antes da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de janeiro, que manteve a taxa Selic estável em 14,25%.
Uma das possibilidades em discussão, segundo notícia do Valor, é estabelecer um duplo mandato para o BC, que além de assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e a solidez do sistema financeiro, teria também como atribuição a preservação do emprego.
Para o sócio-gestor da JPP Capital, Joaquim Kokudai, a atribuição de um duplo mandato para o BC exige bastante atenção e pode causar ruídos no mercado. “Ter duas metas pode confundir. Por outro lado, na prática, já é assim”, diz, lembrando os episódios em que o BC não elevou juros a despeito da inflação ainda fora da meta.
Apesar de defender a autonomia da autoridade, o ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultoria, Gustavo Loyola, é contra a adoção de um duplo mandato. “No caso do Brasil, isso poderia atrapalhar o cumprimento da meta de inflação, uma vez que se tem um ´trade-off´ entre inflação e desemprego no curto prazo”, diz. Segundo Loyola, o duplo mandato poderia levar o BC a antecipar um corte de juro em momentos de aumento do desemprego como o atual. “Os agentes econômicos teriam mais dificuldade para prever o que o BC vai fazer em termos de política monetária.”
Já o economista da Bozano Investimentos Samuel Kinoshita avalia que uma meta única voltada para o controle da inflação ainda é melhor, mas não vê problema em adicionar às atribuições do BC a preservação do emprego. Além disso, destaca, a adoção de mandatos fixos e intercalados para diretores do BC ajudaria a reduzir os ruídos em períodos pré-eleitorais.
O diretor-executivo da Fitch Ratings no Brasil, Rafael Guedes, vê com bons olhos a proposta de independência do BC aliada à expansão do mandato. “A independência do BC afasta a dúvida de que um diretor pode ter votado diferente do que pensa por medo de ser substituído”, diz.
Já a adoção de duplo mandato, segundo Guedes, vai exigir uma coordenação da autoridade monetária com os ministérios da Fazenda e do Planejamento. Ele ressaltou que é preciso tomar cuidado porque buscar o crescimento a qualquer custo, influenciado por áreas que são mais políticas, pode levar a conflito de interesses.
Para Loyola, os objetivos a serem perseguidos pelo BC, como a meta de inflação, poderiam continuar sendo estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O CMN é composto pelo ministro da Fazenda, ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e o presidente do BC. Loyola destaca, no entanto, que em um regime de metas de inflação é importante que a política fiscal também esteja resolvida, uma vez que em um cenário de dominância fiscal a política monetária tem sua eficácia limitada. (Colaborou Simone Cavalcanti)
Fonte: Valor Econômico