Desaposentação ameaça as contas da Previdência

    Para advogados, quem contribui por período maior deve receber mais. Ações que pedem nova conta de benefício podem elevar em R$ 7,65 bilhões o deficit anual do sistema, que, sem isso, chegará a R$ 136 bilhões em 2016

    A corretora de imóveis paulista Marina Zazzera se aposentou há 14 anos, quando contava com apenas 50 anos de idade e 30 de contribuição. O médico vetou a rotina estressante de dois empregos, nos quais passava 16 horas por dia. Mas ela não podia abrir mão da renda, indispensável para criar dois filhos sozinha.

    Ficou, então, em uma das colocações, e passou a contar com o benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “Como já vigorava o fator previdenciário, o meu benefício veio bem abaixo do que eu esperava”, relata. Ela continuou trabalhando e contribuindo para a Previdência até os 60 anos, quando foi demitida. E não teve qualquer benefício pelos dez anos extras de contribuição.

    Marina reivindica na Justiça um aumento de R$ 1.000 no benefício que recebe. “Isso ajudaria muito. Preciso fazer cinco implantes dentários”. Há 182.138 ações judiciais de aposentados que continuaram trabalhando e se sentem lesados pelas contribuições extras inócuas à Previdência. É assim desde a reforma de 1999, que introduziu o fator previdenciário. A chamada regra da desaposentadoria depende agora de uma decisão doSupremo Tribunal Federal (STF).

    A experiência de Marina reflete a realidade de milhões de aposentados, que não conseguem parar de trabalhar. “Quando a reforma foi feita, não se imaginava que o trabalhador iria usar a aposentadoria como um segundo salário”, relata Renato Follador, ex-secretário de Previdência do Paraná e um dos responsáveis pela mudança constitucional de 1999.

    Follador conta que na proposta original buscava equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema. “Era uma conta de resultado zero. Se o trabalhador demorasse mais para se aposentar, receberia mais.Também ficou definido que a contribuição para a Previdência seria compulsória para quem continuasse trabalhando”, frisa.

    Poupança

    Há um detalhe que acabou ficando fora do texto, e resultou no que muita gente hoje vê como uma injustiça: a cada cinco anos o trabalhador poderia pedir a desaposentadoria para receber a poupança adicional acumulada durante esse período, por meio das contribuições adicionais. “Sem isso, a tese do equilíbrio financeiro e atuarial é jogada no lixo com a própria Constituição”, enfatiza.

    Como advogado, ele é responsável por ações judiciais que reivindicam a revisão do valor do benefício de seus clientes.  “Se aumentou a poupança, o resultado da conta não é zero”, argumenta. “A desaposentação não foi aprovada na reforma da Previdência em 1999 porque nunca se faz esse tipo de mudança para beneficiar o trabalhador. E só para resolver o problema de caixa do governo, sempre.”

    O advogado Willi Fernandes, do Centro Paulista de Apoio aos Aposentados (Cepaasp), lembra que no passado havia permissão legal para o aposentado continuar trabalhando. “Até 1994, existia o pecúlio. Depois que fosse demitida, poderia retirar o que havia contribuído para a Previdência. A Lei nº 8.870/94 extinguiu esse benefício. Mas, de 1995 até 1999, não era mais necessário contribuir para a Previdência. A desaposentadoria é uma contraprestação do que foi pago de boa-fé pelos aposentados”, defende.

    Supremo

    As ações sobre a desaposentadoria aguardam decisão do STF. Com apenas quatro votos, dos 11 ministros da Corte, o julgamento ficou parado um ano. No fim de  2014, a ministra Rosa Weber pediu vista. Ela devolveu os processos em dezembro passado. Segundo especialistas, a decisão sobre a desaposentação  pode sair ainda neste ano. São dois processos: um deles tem como relator o ministro Luís Roberto Barroso e, outro, o ministro Marco Aurélio Mello. Para Barroso, a desaposentação exige um novo cálculo da aposentadoria. Leva-se em conta o fator previdenciário, mas preservando a idade e a expectativa de sobrevida do momento do primeiro benefício. A posição de Mello é que o cálculo deve ser refeito de forma retroativa, desde o primeiro benefício.

    Além dos votos dos relatores que foram a favor dos aposentados, votaram os ministros Dias Toffoli e Teori Zavascki, ambos contrários à mudança no cálculo da aposentadoria. Ainda faltam os votos de sete ministros, o que resulta em empate. Se os demais seguirem o voto favorável de Barroso, relator do processo, a desaposentadoria será aprovada.

    O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também julgou a questão, chegando a uma decisão ainda mais favorável aos aposentados. Os cálculos teriam de ser refeitos como se a pessoa não tivesse se aposentado. Valeria a nova idade e a nova expectativa de vida dos brasileiros para o cálculo do benefício de cada um.

    “O que o STJ e o ministro Barroso decidiram é que a aposentadoria é um direito patrimonial e o segurado pode renunciar a esse benefício por outro mais vantajoso”, explica o advogado Marcelo Torreão, especialista em direito previdenciário. Torreão afirma que os tribunais vêm decidindo que é necessário fazer o recálculo do benefício como determinou o ministro Marco Aurélio.

    Em breve

    O julgamento da desaposentação está próximo, na avaliação de Gisele Lemos Kravchychyn, diretora de atuação judicial do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). O sinal disso é que, no mês passado, foi negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pedido do governo para a suspensão de todos os processos sobre o tema na Justiça.

    Impactos distintos

    Para Leonardo Rolim, consultor de Orçamento da Câmara Federal, a regra de desaposentação julgada pelo Superior Tribunal de Justiça(STJ) é uma “bomba-relógio”, que destrói a Previdência. “É um absurdo. Vai aumentar o valor do benefício até o teto para quase todo mundo”, diz.

    No caso da decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal  (STF), o efeito da revisão de cálculo dos benefícios é diferente. “Ele atende a questões constitucionais, ou seja, de que a previdência é contributiva e recebe-se de volta o que foi pago. Não vai fazer de conta que a pessoa não se aposentou como preveem as decisões de outras instâncias da Justiça”, resume.

    Rolim explica que a revisão de cálculo estabelecida por Barroso não é garantia de que o benefício será automaticamente elevado. “Se a pessoa pagou mais do que a média de vida dele enquanto estava aposentado, terá direito a esse aumento. Mas se for o contrário, pagou menos, o benefício poderá ser reduzido e será melhor não pedir a desaposentação”, aconselha. “Isso tem impacto nas contas da Previdência, mas é justo. Em questões previdenciárias, não se pode olhar apenas para contas públicas”, argumenta.

    O Legislativo já se debruçou sobre a questão recentemente, aprovando uma lei que revisava benefícios. O texto foi vetado pela presidente Dilma Rousseff, decisão mantida pelo Congresso. Para o governo, contribuições de quem continua no mercado servem para financiar aposentadorias dos demais beneficiários e as deles mesmos como determina o sistema contributivo e solidário que vigora no país.

    Estimativa

    De acordo com a Advocacia- Geral da União (AGU), que responde pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) junto ao STF, o impacto imediato, caso a desaposentadoria seja aprovada nos moldes propostos por Barroso haveria acréscimo de R$ 7,65 bilhões anuais no deficit da Previdência, que, mesmo sem isso, será de R$136 bilhões neste ano.

    O impacto da mudança nos próximos 30 anos será de R$181,87 bilhões. “Nós estimamos que cerca de 480.000 aposentados possam ser atingidos pela decisão do STF. No pior cenário, se houver pagamento retroativo, seriam R$35 bilhões a serem desembolsados pela União imediatamente”, revela Gustavo Augusto Freitas de Lima, diretor do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal.

    O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) discorda da previsão de longo prazo. “Esse número leva em consideração a hipótese de todas as pessoas que permaneceram trabalhando tenham desaposentação vantajosa, o que não confere com a realidade”, explica Jane Berwanger, presidente do IBDP. (CP)

    Fonte: Correio Braziliense

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