Edição 193 – 21/12/2016

Ajuste fiscal: como chegamos aqui e para onde vamos


Na última quinta-feira, 15 de dezembro, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 95/2016, que limita os gastos públicos com despesas primárias pelos próximos 20 anos. A matéria, considerada um pilar na estrutura do ajuste fiscal promovido pelo governo, estabelece medidas que devem punir a população como um todo, mas em especial e de maneira mais acentuada, a grande parcela que depende essencialmente dos serviços públicos prestados pelo Estado.

Soma-se a esta, no arcabouço de providências encaminhadas (segundo o governo, com o objetivo de retomar o crescimento econômico e garantir assistência a todos os brasileiros), a PEC287/2016, que propõe regras para uma nova reforma na Previdência.

Medidas de arrocho, mais ou menos danosas, surgem ao longo dos anos e diferentes mandatos. Durante evento de lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, em maio, o deputado Chico Alencar (PSOL/RJ) observou: “Não sejamos hipócritas, pois sabemos que todos os governos passados foram unânimes em retirar direitos”.

Repetem-se, também, os responsáveis por arcar com o ônus resultante, a saber, a classe trabalhadora. Enquanto isso, os grandes agentes do mercado financeiro passam à margem dos ajustes e ainda se beneficiam dos recorrentes pacotes.

De onde viemos

A raiz do caos fiscal, que constituiu os fundamentos para o governo Temer impor sacrifícios amargos à nação, exceto para o grande capital, teve início com o projeto emergencial do ex-presidente Lula, de gerar consumo e emprego e fazer rodar a economia, como anteparo à crise econômica mundial de 2008. Adotou-se um agressivo programa de renúncia fiscal e de oferta de crédito fácil à população, por meio dos bancos públicos. O que era para ser uma boia de salvação acabou por se transformar num sumidouro, quando as medidas foram estendidas para além da solução da crise.

Ao se tentar perenizar o que era transitório, o quadro se agravou. Em vez de poupadores, o Brasil hoje é constituído de endividados que não conseguem cumprir seus compromissos, simplesmente porque perderam seus empregos. Rendida ao mercado, a ex-presidente Dilma Rousseff superestimou a receita, em vez de corrigir as despesas. Pega nas pedaladas fiscais e arrastada pela crise política, perdeu o capital social que herdara de Lula. Sem o apoio dentro de sua própria casa, o PT, criou-se uma crise de governabilidade e de confiança, levando os investidores a tirarem o pé do acelerador.

Sem investimentos públicos e privados, com gastos sem receita e grave desajuste fiscal, Dilma conseguiu destruir a prosperidade obtida na década anterior, criando a tempestade perfeita que resultou no seu impedimento, abrindo espaço para forças políticas ainda mais leais ao mercado.

Perspectivas

Logo na largada, o novo governo já deflagrou o claro objetivo de buscar excedentes para o pagamento da dívida pública.  A PEC do teto dos gastos, recém-promulgada, foi apontada como medida para pôr a casa em ordem. O discurso consiste na definição de um limite de acordo com a despesa do ano anterior e não em cima da receita passada, parâmetro que pode passar por cima da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Para não recorrer às “pedaladas”, o atual governo buscou, de antemão, legalizar o déficit fiscal, com a desculpa nada convincente de que a receita cresceu bem menos que a despesa. Veja abaixo, com base em informações do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP), dados relativos ao crescimento de despesas e receitas nos últimos anos, bem como as projeções para os próximos exercícios.

Gráfico 1

Com licença constitucional para se endividar, a gestão Temer aumentará a dívida interna, emitindo mais títulos públicos, que levarão anos para serem pagos até o reequilíbrio das contas, comprometendo o bem-estar social. A seguir, resultados e projeções para as contas públicas, de acordo com dados do Executivo.

Gráfico 2

No final das contas, o grande pato amarelo erguido pela Fiesp já era uma mensagem clara do empresariado que não fora compreendida pela classe média. Os setores produtivos e financeiro não estavam dispostos a pagar o pato, com a elevação de impostos e a incidência de tributação sobre grandes fortunas. Quem arcará com a crise será toda a população, menos eles.

As repercussões serão inevitáveis: um país com menos saúde, menos educação e menos fiscalização. Menos saúde, porque com o envelhecimento da população, a pressão dos gastos aumentará. Com recursos limitados, o gasto per capita despencará. Menos educação, porque todos os projetos educacionais, como bolsas de estudo, serão congelados. Menos fiscalização, porque o Estado não terá recursos para prestar esse serviço. O resultado disso é que o Brasil estará condenado a ser eternamente um país subdesenvolvido.

Sobre a proposta de reforma da Previdência, o Executivo vende um discurso desonesto para justificar as mudanças. Já foi demonstrado, exaustivamente, que o sistema de seguridade social ainda é superavitário. O projeto do governo, a toque de caixa, é amedrontar a opinião pública. É importante ressaltar que os efeitos positivos das últimas reformas efetuadas seriam sentidos somente em 2020, o que esvaziaria o discurso de novos ajustes. Quem mais sofrerá com esse engodo é o trabalhador braçal, cuja expectativa de vida é, naturalmente, mais baixa.

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