O cenário de restrição fiscal não deve chegar a causar uma paralisia da máquina pública, avaliam economistas, mas para cumprir o teto de gastos sem alterar as regras da Previdência, a tendência é que os órgãos públicos federais tenham que brigar cada vez mais por repasses. Assim, a prestação de serviços essenciais à população tende a continuar comprometida.
Isso porque, com queda da receita e cerca de 90% das despesas engessadas porque são obrigatórias, o peso do ajuste fiscal e do cumprimento da regra que limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior recai sobre os gastos discricionários.
Nas últimas semanas, vários órgãos comunicaram a suspensão de serviços porque o governo reduziu o repasse de verbas. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) suspendeu temporariamente alguns serviços, como escolta e resgate aéreo, por falta de recursos, dando prioridade ao atendimento de acidentes com vítimas e “auxílios que sejam de competência exclusiva da PRF e enfrentamento a ilícitos”, segundo comunicado da instituição.
Já o Banco Central reduziu o ritmo de produção de moedas para conter despesas, o que tem afetado a atividade do comércio, que precisa de troco. No fim de junho, a Polícia Federal anunciou que suspenderia a emissão de passaportes por falta de verbas. Uma semana depois, a PF informou que os grupos de trabalho dedicados às Operações Lava-Jato e Carne Fraca foram dissolvidos, decisão que procuradores da primeira força-tarefa atribuíram à falta de recursos para custear os gastos dos delegados.
Em São Paulo, a Unifesp avalia diminuir o contingente de residentes de seu hospital universitário, o Hospital São Paulo, ligado à Escola Paulista de Medicina (EPM), também por falta de recursos. A área de ciência e tecnologia também foi afetada pelo ajuste: o orçamento da pasta caiu 44% de 2016 para 2017, de R$ 6 bilhões para R$ 3,4 bilhões, e a expectativa é que recue ainda mais em 2018, diz Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
“O contingenciamento feito em março foi uma bomba atômica que caiu sobre a ciência brasileira”, afirma o físico. Desde 2013 o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vem sofrendo uma sucessão de cortes e, por isso, a imposição de teto de gastos pegou o setor em um momento já de baixa, diz Davidovich, piorando ainda mais a situação. “Os estoques de insumos de laboratórios de biologia e química estão terminando”, relata.
O governo está pagando agora a conta da “farra” de aumentos salariais de 2016 e da morosidade das reformas e, por isso, depende de uma “enxurrada” de receitas extras para cumprir a meta de Déficit de R$ 139 bilhões deste ano sem asfixiar os órgãos públicos, diz Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
Para reduzir despesas e cumprir a meta fiscal de 2017, só restou ao governo cortar drasticamente investimentos e outras despesas correntes, aponta ele, uma vez que vários gastos cresceram acima da inflação e da expansão da economia.
“Sufocando os órgãos públicos, o aumento da despesa total foi de apenas 3,4%, ou seja, abaixo da inflação. O maior problema portanto não é o teto, e sim a ausência das reformas e a receita, que continua em queda”, avalia. “Em resumo, sem as reformas e com a crise política, as despesas obrigatórias crescem enquanto a receita diminui.”
Para Bruno Lavieri, sócio e economista da 4E Consultoria, ao exporem sua situação, os órgãos públicos estão jogando o custo da piora de atendimento para o governo federal e para o ajuste fiscal, o que não deixa de ser um “jogo político”. “A situação nunca foi das melhores e os órgãos públicos estão em dificuldade, mas é difícil imaginar uma situação de calamidade. Os alarmes soam antes, porque o custo político de não atender a população é muito alto”, diz.
Sem a implementação da Reforma da Previdência, que consome quase metade do orçamento federal, os serviços públicos estarão cada vez mais sujeitos a interrupções por restrição de recursos, embora o risco de uma situação de calamidade não exista, afirma Fábio Klein, da Tendências Consultoria.
“Dada a regra do teto de gastos e a queda da inflação, que faz com que o teto fique ainda mais baixo, e o fato de a maior parte das despesas serem obrigatórias, é preciso cortar as despesas discricionárias, que nada mais são do que o dia a dia dos serviços públicos”, disse.
Um governo que vem desde 2015 contingenciando despesas sem conseguir levar para frente reformas estruturais está sujeito a esse tipo de reclamação dos órgãos públicos, diz o economista. Dentre elas, a mais importante é a reforma das aposentadorias, que vai tornar o teto de gastos factível. Se nada for feito, afirma, o teto será rompido em 2019.
Para Klein, no entanto, o risco de uma paralisação total da máquina pública não existe para o governo federal, que, ao contrário dos Estados, pode acionar o Tesouro para financiar seu Déficit. Por outro lado, diz, sem a reforma previdenciária, a tendência é que a disputa por recursos se acirre ainda mais.