O comportamento da previdência privada aberta no primeiro semestre chama atenção pela mudança no perfil das aplicações. Os fundos de renda fixa, que historicamente vinham concentrando mais de 95% das captações – até pelo perfil conservador do brasileiro -, dividiram o espaço em pé de igualdade com os multimercados. No pano de fundo, de um lado, está a queda da taxa Selic, que tira a atratividade da renda fixa, de outro, a entrada no segmento de gestoras renomadas, como Verde Asset e Adam Capital.
Enquanto as carteiras mais conservadoras atraíram R$ 10 bilhões na primeira metade do ano, os multimercados de previdência receberam R$ 8,2 bilhões em aplicações, aponta levantamento da Associação Brasileiras das Entidades dos Mercados Financeiras e de Capitais (Anbima). No primeiro semestre do ano passado, R$ 19,5 bilhões foram alocados em fundos de renda fixa e apenas R$ 1,2 bilhão em fundos multimercados.
A principal motivação da mudança, diz Felipe Bottino, superintendente de produtos de previdência da Icatu Seguros, é a queda da taxa Selic, que nos últimos 12 meses saiu de 14,25% para 10,25% ao ano. Nesse período, ressalta, os investidores viram cair em pelo menos quatro pontos percentuais aquela remuneração “quase que garantida” da renda fixa.
“Temos um cenário de forte queda dos Juros e estabilização da situação econômica. Fatalmente, aquele retorno que os investidores estavam acostumados a ter em renda fixa vai por água abaixo”, explica o executivo da Icatu. A seguradora lidera a tendência de criação de fundos mais sofisticados. Só neste ano, fechou parceria com oito novos gestores independentes.
Reinaldo Lacerda, diretor da Votorantim Asset Management, conta que a migração faz parte da evolução dessa indústria. Segundo ele, em mercados desenvolvidos como o americano, mais da metade da alocação dos recursos de previdência é feita em fundos de ações. “O multimercado é o meio do caminho entre renda fixa e ações. Faz parte da evolução”, conta.
Esse tipo de estratégia supre a busca de investidores por uma gestão mais ativa do dinheiro e, consequentemente, com potencial de retorno mais alto, sem que isso represente o aumento substancial da exposição no mercado de ações. Para se ter ideia do avanço da categoria, de acordo com a Anbima, dos 79 fundos criados nos últimos 12 meses, 59 são multimercados. Entre os principais destaques estão fundos geridos pela Verde, de Luis Stuhlberger, Adam, gestora do ex-Safra Márcio Appel, e Canvas Capital, de Antonio Quintella.
O aumento dos multimercados de previdência mostra que esse mercado entrou de vez no radar dos grandes gestores, o que também alimenta a tendência de crescimento do setor. “A entrada dos gestores independentes está se consolidando e, como prova disso, criamos mais dez fundos este ano. Antes era um único gestor cuidando de tudo, com estratégias indexadas. Agora vemos a possibilidade de formar carteiras diversificadas, com várias estratégias”, emenda Bottino, da Icatu.
Um dos fatores que contribuiu para o interesse dos gestores independentes, além do crescimento estável da previdência, foi a resolução nº 4.444, editada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que começou a valer no ano passado. “A mudança na legislação ajudou muito porque aproximou um pouco mais o multimercado de previdência da carteira de um multimercado comum, dando flexibilidade para o gestor atuar em várias frentes”, avalia Marcelo Mello, vice-presidente de investimentos, vida e previdência SulAmérica.
A resolução modernizou as regras do segmento. Entre as mudanças, aumentou os limites de aporte em renda variável, possibilitou o investimento em ativos indexados à variação cambial, permitiu maior destinação de recursos para imóveis e ampliou o rol de ativos permitidos para aplicação. Além disso, a resolução criou para a previdência o perfil do investidor qualificado que, por ter um conhecimento mais profundo sobre o mercado, passou a contar com produtos mais sofisticados.
Os fundos voltados a investidores qualificados podem aplicar, por exemplo, até 100% em renda variável. Para os demais perfis, o limite subiu de 49% para até 70%.
O movimento de criar multimercados foi puxado pela Icatu ao se aliar com casas como Verde e Adam, mas outras seguradoras, inclusive de bancos, estão seguindo na mesma direção. Em janeiro a SulAmérica lançou seu primeiro fundo aberto multimercado em parceria com a JGP Gestão de Recursos. No semestre, 44% da captação do período ficou na categoria.
O Bradesco criou no fim de 2016 um multimercado com estratégia macro em linha com a resolução 4.444. O fundo já tem R$ 200 milhões e representou cerca de 10% da captação total do banco em previdência no semestre, conta Ricardo Almeida, diretor da Bram.
A Kinea, braço de investimentos alternativos do Itaú, criou uma plataforma para previdência depois da melhora na regulamentação, segundo o presidente Marcio Verri. Hoje, a casa tem equipe específica para esse tipo de produto e vem avançando entre os fundos com maior captação no semestre. “Tivemos que nos aparelhar para oferecer esses produtos. Agora temos capacidade de correr um pouco mais de risco de mercado para o cliente ter benefício no fim do período investido”, diz o especialista.