A decisão do Ministério da Fazenda de colocar o adiamento do reajuste dos salários dos servidores em 2018 na cesta de novas medidas emergenciais, em discussão no governo para enfrentar a queda de arrecadação, mostrou o tamanho da crise fiscal do País. Ela só cresce.
Os aumentos eram tabu na área econômica porque o presidente Michel Temer e seus aliados políticos tinham decidido no ano passado não comprar briga com a burocracia de Brasília, formada por diversas carreiras com grande força de mobilização.
É bom lembrar que esses reajustes salariais foram negociados pela ex-presidente Dilma Rousseff, e Temer deixou tudo do jeito que tinha sido acertado por sua antecessora.
Um erro que contou na época com o aval da equipe econômica e que está sendo cobrado neste momento em que o governo teve de elevar a tributação do PIS/Cofins dos combustíveis para tapar o buraco nas contas públicas.
A reação da população ao aumento da carga tributária foi muito pior da que era esperada pelos auxiliares do presidente. Os brasileiros, que sentem o peso da alta da gasolina no bolso, começaram a perceber que pagam hoje pela manutenção dos privilégios de poucos.
São servidores com supersalários, aposentadorias mais generosas, além de uma série de outros benefícios, como auxílio moradia por tempo indeterminado e adicional de férias por duas vezes no ano (no caso do Judiciário). A população passou a enxergar que por trás da alta de tributos está a fatura pelo rombo da corrupção. O mesmo ocorre com o reajuste dos servidores, que têm a vantagem da estabilidade, ao contrário dos demais trabalhadores. Ninguém quer pagar essa conta.
É provável que esse debate cresça ainda mais, colocando em campos opostos trabalhadores da iniciativa privada e servidores da elite do funcionalismo. Assim como acontece com os coxinhas e mortadelas no ringue da política.
Nunca o desempenho das contas foi tão debatido pela população como ocorre agora. Vide a reação negativa em cadeia à decisão do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que decidiu incluir na proposta orçamentária de 2018 um reajuste de 16,3% para os procuradores da República. Um impacto anual na folha de pagamento de mais R$ 116 milhões.
Como explicar esse aumento diante do quadro atual das contas públicas e de inflação em trajetória de queda? É o típico caso em que todos defendem o ajuste, mas desde que na casa do outro. As críticas viralizaram na internet.
É bem verdade que o governo não pode interferir no reajuste salarial de outros Poderes. Mas diante da rejeição crescente à nova medida de alta de impostos, foi preciso abandonar o discurso anterior de que era preciso honrar os aumentos acordados e já aprovados.
A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, pode ser uma importante aliada do governo. Ela dá indicações de que não será indiferente à necessidade de ajuste e fecha uma proposta orçamentária que não deve incluir aumento para os ministros da Corte, como mostrou reportagem de ontem do Estado.
A secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, foi a primeira autoridade de Brasília a admitir publicamente que a medida está em estudo. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defende o adiamento para ajudar as contas do governo em 2018, mas há a preocupação com o impacto da medida diante da capacidade de paralisação de serviços essenciais de diversas categorias. Tudo isso está sendo analisado pelo governo. A proposta de postergar o aumento ainda não foi levada ao presidente Temer para a decisão final. Mas, pelo quadro atual, o mais provável é que o reajuste seja, sim, adiado para o segundo semestre de 2018.
O governo já se deu conta de que precisará dar um novo choque de medidas fiscais. A crise não será resolvida com “puxadinhos” de medidas com efeito gradual ao longo dos próximos anos, como o Programa de Desligamento Voluntário (PDV) lançado esta semana pelo governo federal. O próprio ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, deu o veredicto: o PDV não pode ser confundido com a solução dos problemas fiscais do País. É preciso mais.
Fonte: O Estado de S. Paulo