A ARTE DE ESCREVER

           “Come-se e bebe-se produtos da terra e as mulheres mais lindas”. A confissão de adultério constava do texto intitulado “Minha terra tem palmeira onde canta o sabiá”. Sorte minha que a habitual última olhada antes do envio do texto constatou o equívoco. Caso publicado, a desculpa do “o que é que vou dizer em casa?”, teria o efeito de dólares na cueca.Cultivo enganos freqüentes: confundir “ex” com “es”; e “z” com “s” é um deles. Vou me aposentar digitando errado “porposta”, em vez de proposta e grafar sempre o segundo “a” do meu próprio nome com maiúscula, sempre saí Mario MArcio (é sem acento mesmo). Apesar de não ter muita a ver, estou contando isso porque, às vezes, quando surge uma dúvida gramatical, sempre acham que eu sei a resposta. Via de regra, frustro as esperanças. Se não fosse o corretor do Word – com quem travo silenciosas discussões – estaria perdido. E como bem disse o Artur Dapieve no Globo, “tal expectativa, se deve à idéia de que escrever é troço misterioso, do outro mundo, unção dos céus, maluquice, gênio. Lenda que muitos de nós gostamos de espalhar a seu próprio respeito. Escrever, porém, é um trabalho. Não “como qualquer outro”. É diferente de fazer pães, vender sapatos ou ser gerente de banco. O negócio é contar boas histórias, reais ou ficcionais. Basicamente isso”.. Minha intenção também não passa daí. Dá-me imenso prazer, fazê-lo.O Joaquim Ferreira dos Santos, também do Globo, foi mais fundo ainda na questão:”Escrever crônica é atividade como outra qualquer, como se pode ver no receituário específico disponível no manual de redação. Não tem mistério. Faça a sua. Primeiro refoga-se um assunto em azeite. Se ele não crescer, tente outro, e depois outro e quantos outros forem necessários. É da vida de quem cozinha crônica. Tem dias que o bolo sola, noutros, a mão boa, ele cresce bonito. Vai entenderO pior é acharem que podemos escrever sobre qualquer tema. Já possuí a incumbência de fazer as mensagens natalinas da DERJA. Numa dessas “roubadas”, em pânico, comprei um monte de cartões, coloquei todas as mensagens no liquidificador, bati, confeitei e servi o inóspito resultado para a chefia da delegacia. O texto, como era a praxe, veiculou sem a citação ao autor, fato que serviu para que ninguém até hoje suspeitasse que fui eu o causador daquele atentado à criatividade e a inspiração geralmente presentes em boa parte das mensagens de final de ano. Mas, sabe de uma coisa? Usar como tema de uma crônica o que pensam os escrevinhadores sobre o ato de escrever é desculpa para quem está sem assunto. Neste caso, eu.

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