AMIGO-OCULTO

    Achei numa gaveta um recorte de uma crônica, cujo mote é o sofrimento dos que odeiam a brincadeira de troca de presentes que geralmente acontece nos locais de trabalho.  O autor do texto, Odisseu Kapyn, afirmou que existem pessoas que participam da confraternização pelo receio de serem vítimas de um possível apartheid social e contou que conhece um desses incompreendidos que sofre de distúrbios de sono quando chega dezembro: “- ele tem um pesadelo recorrente: está andando pela Rio Branco e começa a tradicional chuva de papel picado. Quando vê de perto aqueles papeizinhos caindo das janelas, imagina que todos têm nome de seus colegas de trabalho. No sonho, não consegue andar e é soterrado pelos papéis”.Sobre o mesmo tema, meu faz-tudo narra que numa fundição a peãozada inventou um amigo-oculto diferente, regada a muito bebida. Logo após, uma suculenta peixada seria servida.   Cada um participou com uma lembrança, preferencialmente unisex e tentando disfarçar o conteúdo colocou o embrulho na montanha de presentes. A seguir sorteou-se a ordem de participação. Ao primeiro, forçosamente, coube retirar um dos embrulhos do bolo e expor. Os demais tiveram duas opções: tentar a sorte na montanha ou roubar o presente que – obrigatoriamente deveria ficar exposto – de qualquer outro. Todos podiam jogar por vezes. Dessa forma, ninguém saberia com que presente ficaria no final da brincadeira. E a peixada fumegando!A clareza das regras não impediu que um não identificado participante, ignorando o espírito do congraçamento, comprasse uma saia preta, de fibra entrelaçada e aberta do lado esquerdo.  No final, a saia ficou para um negão, do tipo armário 2 x 2, cujo apelido de Myke Tyson por si só já diz tudo, que só concordou em participar da brincadeira, após insistentes apelos.  Como desgraça pouca é bobagem, havia uma última regra no amigo-oculto: qualquer que fosse o presente era indispensável sua utilização durante a festa.  Sóbrio, ninguém de bom sendo teria tido coragem de lembrar ao Myke Tyson da obrigação. Mas, depois de caudalosos rios de cerveja e vinho, houve quem convencesse ao brutamontes entrar no clima natalino de paz e amor. Tyson, então, colocou a saia e começou a desfilar. Mal iniciou a sua apresentação ouviu de uma voz vinda lá galera: – Se num final de noite, encontrar o Myke com essa sainha, blusinha decotada, saltinho alto e batonzinho vermelho nos lábios, até que eu traço!  Bom, a partir daí a peixada ficou grudada nas paredes e, até hoje, podem ser percebidas marcas da brigalhada no local do congraçamento. E o restante dos presentes?… Cada um ficou com um, mesmo não sendo o que desejava. À exceção, segundo alguns detratores que, possivelmente, tomaram tapa na cara, é o Myke Tyson.  Dizem que anda, literalmente, feliz da vida com a sua saia.

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