APOSENTAR OU NÃO, EIS A QUESTÃO

    Eu já estava com mais de 31 anos de contribuição para a Previdência Oficial e cerca de 30 como funcionário do Banco do Brasil. Trabalhava no Gabinete da Presidência da PREVI com meu amigo professor Amaro, então Presidente. Era o ano de 1986. Há algum tempo eu vinha planejando o que faria após deixar o BB, já que não me sentiria bem se apenas parasse. Isto deve acontecer com muita gente. É uma decisão complicada, não resta dúvida, e que precisa ser muito bem planejada. Se você tem habilidade ou talento para outras atividades deverá sopesar direitinho os prós e os contras. Foi o que eu fiz por meses. Zezé já se aposentara um pouco antes.  Meu bom amigo Amaro tentou me desestimular, pois me considerava muito novo para me reformar, como se diz em Portugal. Ele tinha razão quanto à minha idade, mas eu estava cheio de razões justificadas nos planos de vida que vinha elaborando. Apesar de estar bem situado no Gabinete da Presidência da PREVI outras vozes internas me aconselhavam a tocar para a frente sonhos e desejos até então represados. Queria sair expondo minhas Fotografias Artesanais a um público bem maior do que o dos salões da ABAF que freqüentei por uns 15 anos. Iria visitar Galerias de Arte, Salões de Exposições, enfim, tentar mostrar a muito mais gente que também se faz arte com fotografia. E felizmente deu certo. Eu tinha muita fé no que queria fazer. Até entrevista eu dei, na então TV Manchete, para o Clodovil Hernandes. Valeu muito. Queria também ir morar por um longo período na Europa, com sede em Lisboa, reviver o caminho que fizera aos 10 anos, em 1947, com meus pais e irmãos. Voltar a Salreu, onde vivera por um ano, na Quinta do meu bisavô. Quantas recordações, quanto de poesia a querer também me reencontrar por lá, com certeza. Acabamos morando na Europa por quatro longos períodos, entre 1989 e 1998.  Acabei me reencontrando também com a escrita, em prosa e em versos, a partir de 1995, o que eu já não fazia desde jovem, no rádio paraense. Essa atividade acabou por vir a ser, e continua sendo, importante demais na minha vida atual.  Voltando a 1986, escolhi a data de minha aposentadoria cuidadosamente. Teria que ser em fevereiro, e me decidi pelo dia 25. Por quê? Ora, o dia anterior, 24,  era de festa para meu amigo, o professor Joaquim Amaro. Ele fazia aniversário, e era o Presidente. Preferência total. Marquei então minha despedida para o dia seguinte.  A festa foi bonita, com direito a bolo, salgadinhos e refrigerantes. Os abraços me eram dados na sala de reuniões da Diretoria, ao lado do Gabinete. Ali também se comia e bebia, e tirávamos algumas fotos. Confesso que com o passar das horas fui me sentindo meio estranho. O que parecia fácil, o que era tão desejado, tão esperado, afinal ameaçava o meu equilíbrio emocional. Acreditem, não foi tão fácil. A certa altura comecei a lembrar de que não voltaria ali a partir do dia seguinte, que não mais cumpriria aquela rotina diária, que não mais iria tomar o cafezinho de lei na copa, que não mais veria bons amigos, pelo menos na freqüência a que estava acostumado. Deu um branco inesperado, surgiu de repente um vazio em minha mente como se tivesse escorregado em um precipício. Algo mais ou menos assim.  De quando em vez alguns colegas subiam até o Gabinete para me cumprimentar e isso reavivava mais aquela pequena angústia de quem toma a decisão que eu tomara. Mas eu estava decidido mesmo e àquela altura não dava mais para voltar atrás. O jeito foi ir driblando a emoção até a hora da saída.  Voltar para casa sozinho, naquele dia, iria também ser meio complicado. Telefonei para um sobrinho, o Glauco Fernandes, e pedi que fosse me dar um apoio. Ele compareceu e assim fomos conversando até minha casa. Valeu muito a palavra amiga. Na manhã seguinte, pelo hábito, acordei mais cedo do que era necessário. Então me dei conta da nova realidade. Tomei o desjejum e chamei minha esposa para uma caminhada na praia a fim espairecer. Estava um bonito começo de dia. Acabara minha rotina de tantos anos. Era preciso reorganizar tudo e mergulhar em nova motivação para seguir vivendo, afinal eu queria isso, eu sonhara muito com isso.  Hoje olho para trás e percebo o que jamais estivera em meus planos, evidentemente. Eu ia ter apenas mais uns 14 a 15 anos de felicidade ao lado de Zezé, pois a vida assim escrevera o nosso script. Eu sonhava em poder completar 50 anos de casado, como aconteceu com meus pais e alguns bons amigos, mas… Então, de janeiro/2002 até junho/2003, quando se deu a partida de minha esposa desta vida para outro plano, vivi a pior fase de minha vida. Mas já falei muito sobre isso e agora reorganizei meu caminho e sigo em frente, aposentado e viúvo, mas praticando a solidariedade, mais do que nunca, como uma das minhas importantes metas atuais. E o escrever tem me ajudado muito a continuar a viver. O apoio de tanta gente amiga que marca sua presença permanentemente comentando meu trabalho é fundamental. Não me arrependo de ter me aposentado em 1986, ainda novo, com muita energia e disposição para o trabalho, já que não parei nunca de me dedicar a uma atividade. Hoje, aos setenta e um anos de vida e vinte e dois de aposentado, permito-me lhe dizer que, ao decidir optar pela aposentadoria, por favor, não mergulhe no ócio, jamais, não fique só freqüentando (se foi do BB) uma sala de aposentados, onde só se fala do Banco, do passado, enquanto a vida passa veloz por você. Ainda há muita vida lá fora. Perdi um grande amigo porque ele não estava preparado para aquela decisão. Optou por se recolher, como se o viver, para ele, já estivesse no último ato. Fez exatamente o que acima recomendo que não façam. Não viajava, mesmo que nós insistíssemos em que nos viesse visitar por algum período. Acabou adoecendo, e em pouco tempo o perdemos. Grande amigo o Balasco, um ser humano maravilhoso que a aposentadoria acabou por derrotar. Aposente, sim, mas não da vida, amigo ou amiga. 

    Matéria anteriorOS CORRUPTOS
    Matéria seguinteDA SOLIDÃO PARA A VIDA