ATO DE CONTRIÇÃO

    “Meu mundo está encolhendo / O horizonte já não está / Tão distante quanto antes / Meu telhado de nuvens está / Baixo e continua descendo…” Assim começo meu poema “Estilhaço”, escrito em agosto / 2000, assim também inicio este texto.Alguns, em certas circunstâncias, costumam dizer: “Eu era feliz e não sabia”, mas não poderia aplicar esta expressão à minha vida, não poderia mesmo. Sim, porque eu sempre tive plena consciência da ventura que me envolvia, e não só a mim, mas na parceria, na sociedade a dois, indispensável para se atingir o verdadeiro sentimento da felicidade. Sei que nem sempre fui merecedor pleno de tanto amor.Dizem que por sermos humanos, não somos nem podemos ser perfeitos. Claro, muitas vezes pisamos na sorte, mal avaliamos o prazer, a alegria, o gozo do viver em harmonia, não resistimos a um canto de sereia e pomos em risco o bem mais precioso que a vida, ou o destino, nos presenteiam. Quantos arrependimentos colecionamos!!”Quantas desculpas esqueci / De pedir por arrependimentos. / Por pesares, por negligências…” Pensamos sempre que teremos muito, muito tempo para um dia  desfilarmos nosso rosário de compunções a quem traímos. Escondemos então o remorso no mais profundo silêncio de nossa consciência agindo como chantagista ou dissimulador hipócrita, mentindo a nós próprios. Triste ilusão.Esquecemos que “o tempo mede a vida com a régua do destino” e este tem seus prazos que ignoramos. A dor da não confissão, acreditem, tortura mais, muito mais do que qualquer conseqüência de nossos atos assumidos a  tempo. Alguns irão discordar, e têm este direito, mas viverão sempre na ilusão de que todas  as mentiras são compensadoras. Certamente garantem depois não ter nenhum peso na consciência!! É, mas alguns acabam por carregar um remorso irreversível da confissão não consentida, só nunca o revelarão. Não me digo inocente, pelo contrário.”Quantas súplicas guardei / No silêncio de um momento / Em que eu me arrependi…”Pelo receio do castigo ou mesmo da perda, enterramos muitas de nossas súplicas na dissimulação do não ser, conscientes de ter sido. Nem o grito do arrependimento é, muitas vezes, capaz de alavancar a motivação do réu confesso. Contrariamos a fidelidade de sentimentos e atitudes. Deixar para depois pode ser tarde demais.Viver na ilusão da felicidade mantida a custa de dissimulações e disfarces não é lá muito digno, mas há quem se orgulhe da não descoberta, da malícia ou astúcia que se sustenta no cinismo do “eu sou mais eu”. Algo muito semelhante ao comportamento infantil na culpa omitida, ocultada, soterrada na fuga da responsabilidade.  Também passei por essa fase, confesso, afinal também sou humano, falho, pecador. Se me proponho a escrever sobre um Ato de Contrição, jamais me deixaria à margem de culpabilidades tantas. Minhas fraquezas não hão de ter sido menores nem maiores que as de outros, evidentemente. Todos acabamos por ter exposta a nossa fragilidade, a nossa imperfeição, alguma vez na vida. Eu não me colocaria em posição diferente, pois não me admitiria na situação referida e criticada por Camões em “Os Lusíadas” : “Que é fraqueza entre ovelhas ser leão”. Assim sendo, “mea culpa, mea máxima culpa”. Não fugiria jamais dos meus pecados, dos meus desvios de linha, que nunca puseram em risco, entretanto, o viver venturoso. Mas, alguns deles ficaram para sempre enterrados no túmulo do tempo, menos pelo olvido e mais pela covardia da revelação proibida.E isto eu traduzo nos meus versos já referidos acima e que agora repito fechando este Ato de Contrição:”Quantas desculpas esqueci / De pedir por arrependimentos. / Por pesares, por negligências…”

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