Não sou do tempo em que o Dondon jogava no Andaraí, mas participo da RIONET desde que era veiculada através do SISBACEN. E nesses primórdios escalei e divulguei de brincadeira uma utópica seleção brasileira de futebol com meus ídolos. Entre tantos, esse time poderia ter o Cazuza no gol; o Veríssimo e o Cony nas laterais; na zaga o Guga, Paulinho da Viola e o Vinicius. No meio do campo a Malu Mader, Claudia Abreu e os Ronaldos e, na frente, Chico Buarque e Elis Regina. Perguntaram se não havia esquecido o Pelé. Não! Chico Buarque é o meu Pelé. Ao contrário da maioria, não descobri o compositor através dos Festivais de Música. Minha casa não tinha televisão. Foi ouvindo uma parada de sucessos que havia na Rádio Globo à tarde. Passei a achar que fosse o maior conhecedor vivo da sua obra quando apareceu um programa de perguntas e respostas na Rádio Friburgo em que a maioria das perguntas versava sobre suas canções. Os acertos eram recompensados com materiais de construção. Uma tia, vizinha da minha casa, participante ativa do programa, praticamente construiu uma “meia-água” no quintal com as minhas respostas sobre as questões “buarqueanas”. Só me dei conta que não era tão bom assim depois que conheci e passei a falar de música aqui no banco com o Luiz Carlos Rocha e o Sérgio Prata. A partir daí, contento-me, como conhecedor do Chico, quando muito, com um longínquo o terceiro lugar. Experimentei uma única frustração nessa idolatria: quando na diretoria regional da ASBAC soubemos que o artista participaria de um futebol noturno no Campo do Canadá e conseguimos o impossível: através de variados contatos, uma brecha para poucas perguntas – somente sobre música – e duas fotos para o antigo jornal ESPELHO da associação. Atropelei todo mundo para passar a possuir o privilégio de ter sido o primeiro a entrevistá-lo no âmbito do BC. Entretanto, um imprevisto – tipo morte de mãe – impediu de conhecê-lo pessoalmente (sob nenhuma hipótese lhe pediria um autógrafo). Os dias seguintes foram de fúria. A diferença entre o Chico e a maioria dos artistas é devastadora. Evoluindo no tempo no ritmo da acelerada caminhada realizada diariamente pelas trilhas do Leblon, considera como “desfocadas” da sua obra algumas de suas músicas. Enquanto isso, Roberto Carlos orgulha-se em modernizar o seu novo show com a inclusão de idiotices como “Calhambeque” no roteiro. Chico Buarque, em sua simplicidade, exige em seu camarim após cada apresentação, uma maçã. Substitui o cigarro. Paralelamente, o mesmo Roberto Carlos, num acústico para a MTV, ante a predominância da cor marrom, exigiu a troca de todo o cenário. A cor traz má sorte. É tão especial que não precisa de inimigos. Possui no seu rol de amizades Nelson Mota e Mario Prata. Como detratores da sua obra nunca surgiu ninguém, ou seja, Lobão, Marcelo Yuka e o escritor Ivan Proença(?). Como letrista genial é tão diferenciado que, em todas as suas músicas, jamais a letra nasceu antes da melodia. Não dá para ficar falando sobre a obra de um sujeito que definiu saudade como sendo ” o revés de um parto. É arrumar o quarto do filho que já morreu”. Ou que, da forma mais dolorosa e apaixonada possível, pergunta a amada como é que pode partir “se na desordem do armário embutido / meu paletó enlaça o seu vestido / e o meu sapato ainda pisa no teu”. Millôr Fernandes foi definitivo quando o definiu como a única unanimidade nacional. Entretanto, tenho a nítida impressão que o Chico é tão fantástico que não é ele quem se orgulha por “construir” uma canção. É a música que se sente imensamente feliz em possuí-lo como compositor. Nesse último dia 19 de junho, Chico Buarque completou 60 anos. Avesso a festividades e badalações refugiou-se em casa com ao lado das filhas. Nada mais justo. Até porque em matéria de homenagem só a decretação de Feriado Nacional lhe faria justiça. E também, como apoteose, a realização, na Maracanã, de uma partida do Politheama, seu time de futebol. Quem sabe se dessa vez não se dava um jeito de conseguir uma “vaguinha” pro’ Negão?
Inicial O BRASIL SÓ PRODUZIU UM PELÉ: CHICO BUARQUE