BETE MENDES – A ETERNA “RENATA”

    Um dos efeitos colaterais de quando se entra nos "enta" é ter que admitir que, além de nós, as eternas paixões, são vítimas das ações do tempo: Bete Mendes está encarnando a Dona Benta do Sítio do Pica Pau Amarelo.  Elis Regina à parte, ela foi a minha paixão mais duradoura. Começamos o nosso namoro quando "roubou a cena" da novela Beto Rockfeller, em 1968, na TV Tupi.A seguir, fiquei jogado a seus pés, por causa da Godóia de "Meu Pé de Laranja Lima" e, desarvorei de vez, quando encarnou Carina no folhetim "Na idade do Lobo". Em 1974, foi contratada com alarde pela Globo para estrelar o "Rebu". Contudo, suas atividades políticas e sindicais tiraram o fôlego da sua carreira. O último papel principal foi em "Sinal de Alerta", em 1979, interpretando Vera, uma defensora radical do meio ambiente, personagem, cuja realidade,era de sua intimidade. Num verão de 1977, fiquei de queixo para cima, durante metade de Gota D água, na primeira fila do teatro Tereza Rachel – sem ar-condicionado – para assistir ao "meu espetáculo": soube por um amigo que já havia visto a peça que, em determinado momento, Bete Mendes ficaria nua pelo tempo necessário para jamais esquecer. É claro que também lhe escrevi uma carta que nunca mandei. Mas, guardei por muito tempo, uma fotografia em que aparecia como um penacho indígena na cabeça, talvez em homenagem à sua descendência.Ano passado, ficamos cara a cara no lançamento de um livro. Abordei-a como se fosse a "Renata" de Beto Rockfeller. Riu e disse que a maioria dos seus fãs age dessa forma. Na festa, conversamos mais uma vez no meio de uma barulheira incrível. Deu-me o seu e-mail e pediu que escrevesse. Escrevi. Ainda não respondeu.Detalhes da sua vida pessoal adicionaram à minha paixão, uma profunda admiração.Durante o golpe de 1964, sob o codinome Rosa, atuou como guerrilheira do VAR-Palmares. Foi presa e torturada, mas conservou intacta a carreira de atriz. Em 1972, envolveu-se num acidente automobilístico, chegando a ficar em coma. Em 1985, denunciou como seu torturador, quando esteve presa, o então adido militar no Uruguai, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI/CODI entre 1970 e 1974. O reencontro, aconteceu em Montevidéu, quando da visita de José Sarney ao país vizinho, ocasião em que Bete Mendes, como deputada federal, fazia parte da comitiva presidencial. A denúncia foi bancada pelo então Presidente. Em decorrência da sua atividade sindical foi demitida (anos depois, readmitida) da TV Globo, emissora da qual guarda outra grande decepção: a novela "O Rebu",em que fez a andrógina Silvia, teve a fita apagada. Seu apelido de "Betão, bom de bola", decorre do fato de preferir jogar futebol com as equipes técnicas às "fofocaiadas dos camarins", como ela mesma diz. Simplicidade, de quem possuí cultura invejável, pois conhece como poucos – entre muitos – Guimarães Rosa, Kurosawa, Marx, Modigliani, Portinari Vivaldi, Tom Jobim. Aos 57 anos, diz: "sou vaidosa sim, mas não aquela que faz o tipo perua.Lipoaspiração e botox não tem nada a ver comigo. Quero envelhecer naturalmente, com orgulho das marcas que a vida me dá. Se a sua condição de politizada, culta, simples, antidrogas já a diferencia do segmento artístico, assumir a idade, além de blindar-lhe contra o ridículo, vai proporcionar aos seus incontáveis admiradores a sempre lhe enxergarem como a linda, doce e eterna "Renata", de "Beto Rockfeller".

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