DECEPÇÕES PARA NÃO ESQUECER

    Como sabem no passado, final dos anos 60 e anos 70, eu produzi diversos filmes em curta metragem em plena época de ouro da bitola super-8, mesmo trabalhando no Banco do Brasil. Eu me desdobrava e arrumava tempo para tudo. Os temas que eu usava eram geralmente de crítica social e política, mas havia exceções.Fui acumulando prêmios assim como experiências que jamais imaginara teria um dia com a Censura da época da ditadura. Até sentei numa cadeira na imensa sala ali na Praça Mauá, no Rio, em frente a um cidadão cujo nome não me lembro, mas que era o representante da dita cuja para assuntos, digamos assim, censurados por algum fiscal do sistema vigente.Essa foi minha primeira experiência e a história toda eu contei em detalhes, com boa dose de humor, na crônica “Prazer, sou a Censura”, divulgada aqui no Coojornal em Março/2001.Era também a primeira vez que eu tentava participar de um Festival, dos muitos que havia pelo Brasil afora, especialmente em Universidades. Mas não desanimei e fui em frente. Continuei produzindo meus filmes e inscrevendo em Mostras e Festivais de norte a sul deste país.Também fui censurado em S. Paulo, mas pelo próprio organizador do certame. Um dia nos conhecemos, pois eu era então Diretor da Associação Brasileira de Arte Fotográfica – ABAF, ali em Botafogo, e, de propósito, o convidei para fazer uma palestra sobre cinema. Ele aceitou e veio.Numa conversa reservada indaguei dele os motivos para retirar meu filme que nem foi exibido naquele Festival na capital paulista. Ele me alegou que se o mantivesse inscrito provavelmente iria ter problemas com a Censura de lá e aí… bem, e aí, como dizia um bom amigo meu, o cara “ajoelhou antes que o mandassem rezar”. Entenderam o sentido? Pois é.Curioso que eu estivera em S. Paulo antes do Festival sem saber de nada. Indo a uma grande loja de produtos para fotografia e cinema soube por um vendedor que meu filme havia sido um dos mais aplaudidos numa sessão aberta ao público que o organizador realizara. Ele chegou a me dizer que eu tinha grandes possibilidades de ser o vencedor daquele evento. Meu filme era o “O Papa na Terra dos irmãos João e Paulo”.Lembrei-me então, no caso acima mencionado, quando tive outro filme retirado em Campos, o “WAR”. O coordenador daquela Mostra também me dissera pelo telefone que meu filme era um dos favoritos. Vejam apenas coincidência nos dois procedimentos, porque a ação era mesmo de censura em ambos. No caso de S. Paulo o filme faz uma crítica sobre diversos assuntos usando a visita do Papa ao Brasil. Os “irmãos” João e Paulo, em verdade eram na época o Paulo Maluf, Governador paulista e João Figueiredo, então Presidente da República. No correr do filme apresento realmente dois meninos, irmãos, pobres, que assaltavam apenas usando um canivete e cujos sonhos eram os de qualquer criança, nada mais que isto. No final eles são pegos, surrados e “crucificados” num poste.Minha volta por cima ocorreu uns dois anos depois quando participei da linda Mostra realizada no imenso cinema do CEFET, de Curitiba. Lá ganhei o primeiro prêmio em ficção com o filme “Lona Suja”, todo dublado por mim, que exibe a história do seqüestro de um menino e a disputa do “lucro” entre duas quadrilhas. Obtive também Menção Honrosa com o documentário “João Carnaval”. Posteriormente estive presente no Festival realizado em S. Bernardo do Campo e naquela noite meu filme “A Última Essência” mereceu o honroso segundo lugar, só perdendo para um excelente documentário produzido por estudantes de medicina e que mostrava a cirurgia, verdadeira, na cabeça de um cidadão. O personagem central de “A Última Essência” foi o amigo Reinaldo, filho do grande amigo Renato Campos, meu colega e chefe no Treinamento de Pessoal do BB, que também é grafotécnico, psicólogo e excelente contista. Reinaldo passa por diversas situações no filme sendo perseguido e morto ao final, mostrando, porém ser o que ainda havia de bom no ser humano. Este filme também ganhou uma Menção Honrosa na Mostra de uma Universidade do Maranhão.Quando voltei a Curitiba, participando de outro Festival realizado no cinema do CEFET local, o júri teve uma atitude que compensou a grande decepção que eu viria a ter no ano seguinte. Naquele evento meu filme “Gran Circo do Natal” ganhou o prêmio “Solidariedade Humana”. Vejam que este prêmio não existia, mas o júri achou que meu trabalho merecia uma premiação de destaque e então criaram por unanimidade o referido prêmio e o destinaram ao meu filme.Em Curitiba o Festival era coberto pela grande imprensa local e tudo saía em suas páginas. No ano seguinte inscrevi mais dois filmes. Em lá chegando fui informado por um poeta paraense que sempre se fazia presente naqueles Festivais sobre a retirada dos meus filmes. A “mão de ferro” atuante era a da nova Diretora do CEFET.Estranhei, pois ali, em anos anteriores jamais houvera qualquer atuação de censura nos Festivais. Logo outro participante me descreveu a senhora que agora mandava em tudo por lá. Disse-me que ela somente aprovara filmes que não tratavam, de forma alguma, da realidade então vigente. Senti o “golpe”, mais um.Como eu não tenho medo de cara-feia, fiz questão de conhecê-la pessoalmente e assim aconteceu. Estivemos cara a cara e percebi pela sua postura e vestimenta algo semelhante a um personagem da época do nazi-fascismo. Quando me apresentei e pedi justificativa para a exclusão de meus dois filmes ela fez questão de salientar que nada tinha a ver com a qualidade dos trabalhos.Realçou, todavia que os tempos haviam mudado e que o CEFET já fora “permissivo” demais em Festivais anteriores, etc e tal. Como fiquei sabendo que ela estava apenas começando um mandato de chefia que duraria uns três anos logo entendi que eu jamais voltaria àquele Festival.Realmente foi a última vez que estive em Curitiba para participar de Festivais de Cinema Super-8. Lá somente voltei, mas para coordenar e atuar como professor num curso de treinamento de pessoal do Banco do Brasil. A Censura se instalara dentro do CEFET de então, não havia mais clima para se participar de evento que não admitisse a Liberdade de Expressão, ou de pensamento, ainda que nossa Constituição dissesse o contrário. Decepções para não esquecer.

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