DEMOCRACIA IRRELEVANTE?

    Há alguns dias atrás eu li um artigo que me foi enviado pelo bom amigo Manuel A. dos Santos, de Portugal, que trazia o seguinte título: “ONU Alerta Contra Tentação Autoritária na América Latina.” O autor da matéria foi o jornalista português Fernando Souza e ela foi divulgada no jornal “O Público”.Reproduzo aqui o primeiro parágrafo daquele artigo: “A luta das democracias da América Latina corre o risco de se tornar “irrelevante” aos olhos dos seus cidadãos devido às desigualdades e à extrema pobreza, declarou uma alta funcionária das Nações Unidas pouco antes da apresentação oficial, em Lima, no Peru, de um relatório sobre o estado das democracias na região.” “Temos de ampliar as nossas democracias tanto que o seu centro deixe de ser apenas o voto, mas o próprio cidadão”, disse Elena Martinez, vice-administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), autor da exposição.”Aliás, já não é o primeiro alerta que leio sobre este risco que corremos por aqui. Se não há ainda motivo para pânico, infelizmente não dá para discordar das palavras atribuídas à senhora Elena Martinez. Realmente nossas democracias, entre elas a brasileira, continua a centrar o seu foco no voto e/ou em outros assuntos, e a ignorar o cidadão. Não há como desmentir isto.Veja-se que o atual governo, o qual eu também ajudei a eleger, em cerca de um ano e meio de administração, parece querer repetir o mesmo desencanto, plantado nos eleitores, pelos que o antecederam. Eleito em nome da esperança, já começa a ver a fé deste povo descrer da seriedade de suas promessas eleitorais. Digo isto com muita tristeza, mas com a sinceridade de sempre. As pesquisas o confirmam.O quadro que aí está é idêntico, infelizmente, àquele que levou à derrota o candidato do Sr. FHC. Pode-se até considerar que, de uma maneira geral, o atual governo está conseguindo piorar a obra de seu antecessor. Basta vermos que se os dados da economia tranqüilizam, até certo ponto, o FMI, os investidores estrangeiros, o povo brasileiro, que o elegeu, parece continuar a ser, para o governo que se diz do povo, apenas “um detalhe”… No discurso eles parecem, às vezes, continuar em campanha, e na ação contrariam as promessas feitas.Até o momento está tudo muito igual àquilo para o  que o povo disse “Não” ao colocar o PT no poder maior. Quando ouço o Ministro da Fazendo atual, ou mesmo o presidente do Banco Central, falarem, fica-me a impressão de que a Escola ainda é a mesma, e portanto as diretrizes também. Fica muito difícil se imaginar que o governo Lula possa concretizar uma de suas mais fortes promessas de campanha: a criação de 10 milhões de empregos e conseqüente reduzida radical do desemprego.  Até agora os números são muito desestimuladores. A fome, a miséria, a pobreza não são eliminadas, ou mesmo minimizadas, com programas demagógicos, com esmolas em forma de ajudas, oficiais ou não, que, se aliviam a dor do estômago vazio por uns poucos dias, jamais propiciarão a essas pessoas a oportunidade de assumirem sua cidadania, sua dignidade, seu amor próprio. Para isso o remédio, e todos sabem, é mesmo o trabalho, a escola, além da saúde pública, do respeito aos seus mínimos direitos constitucionais. A violência cresce assustadoramente. Se os governos estaduais têm sua grande parcela de responsabilidade neste assunto, o governo federal não pode, em hipótese alguma, lavar as suas mãos. O que se tem visto, no caso do Rio de Janeiro, é uma disputa eleitoral que não consegue se esconder nas palavras, seja das autoridades estaduais, seja nas das federais. E as pessoas de bem, e o povo? Continuam mesmo a ser “um detalhe?”  E aí reside o perigo em que se apóiam as declarações de Elena Martinez.Vejam parte do sumário do documento intitulado “Democracia na América Latina: para uma Democracia dos Cidadãos”: “A América Latina fez enormes progressos em direção à democracia nos últimos 25 anos, com a maior parte dos seus cidadãos a viver hoje sob governos eleitos”, mas “mais de metade dos latino-americanos, cerca de 54,7 por cento, disseram que optarão por um regime autoritário se este mostrar que pode resolver os seus problemas econômicos”. Isto deve nos deixar alertas, digo eu. Com essas palavras termina o artigo do jornalista português Fernando Souza : “Martinez disse que um dos sinais de que as democracias na região estão a “perder força” é que 14 presidentes nos últimos 12 anos abandonaram os cargos antes do fim dos respectivos mandatos. E Dante Caputo, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e director do Projecto sobre o Desenvolvimento Democrático na América Latina, disse que se a região falhar no combate à pobreza e o sentimento de desilusão das populações em relação à classe política, a democracia “pode tornar-se irrelevante”.Uma conclusão que arrepia e apavora nosso sentimento democrático, mas que tem fundamentos numa argumentação incontestável. Lamentavelmente há muito, mas muito tempo, nossos governos vêm virando as costas para o nosso povo que, para eles,  parece servir apenas como “massa de manobra eleitoreira”. Até quem mais falava em nome dele deve ter esquecido sua origem, sua trajetória, suas promessas. O que também nos preocupa demais, é não vermos, em nomes que deverão se candidatar às próximas eleições, algum que nos transmita confiança, segurança, esperança (esta anda de crista baixa, decepcionada…), enfim, alguém em quem possamos votar sem ter que curtir nova “ressaca eleitoral” com o passar do tempo. Se a nossa democracia, cheia de defeitos, mas que pode ainda ser consertada,  havendo interesse, disposição, uma autêntica política social e não o moto contínuo de uma  politicagem voltada para o lucro e para interesses outros, indiferente à indigência da grande maioria de nossa população, passar a ser considerada “irrelevante”, pois que me tirem o tubo, como dizia o personagem do Jô Soares, na TV.  Brasil, de novo, não.

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