“É TUDO DOTÔ! – II”

    – Senhora, não! "Dotora"! Foi dessa forma que a advogada de uma loja de eletrodomésticos admoestou um simplório senhor num tribunal de pequenas causas sobre a forma de tratamento em que ele próprio, defendendo seus interesses, iniciou uma frase.- Na próxima audiência, provoque a mesma situação. Se ela reclamar, pergunte-lhe onde fez doutorado. Se responder, aí sim o senhor deverá dispensar-lhe o tratamento. Disse-lhe eu, ardilosamente. Dias depois, com o sorriso mais largo do mundo, ele contou: o senhor nem imagina! A pergunta teve efeito de uma bomba! Ela nem respondeu. Propôs logo acordo…Esses fatos aconteceram antes da denúncia contra aquele juiz que exigia que todos no seu prédio o tratassem de doutor. A discussão ganhou as ruas e o Fantástico entrou na polêmica para esclarecer que o título só é devido a médicos e para quem possui doutorado. Como um dos karmas do nosso país é o da avacalhação, o esclarecimento teve pouco ou nenhum efeito. Todo semestre há o "derrame" de incontáveis diplomas de "dotores". Deu no rádio que os conselhos regionais de medicina estão solicitando aos seus membros que evitem se identificarem como doutores. Devem bater na tecla de que são médicos. A intenção é a de separar o joio do trigo, ou seja, evitar igualdade de status com os "dotores" fisioterapeutas, psicólogos, veterinários, e, principalmente, com os enfermeiros.A luz amarela foi acesa depois da recente resolução dos conselhos de enfermagem que o título de doutor também é devido aos seus membros. E mais: querem, em determinados casos, até aviar receitas. Alegam que, na prática, sabem tanto quantos os médicos. Agora pergunto eu: sabem o quê, cara-pálida? A distância entre as duas profissões está no fato de que, numa cirurgia, enquanto um opera, o outro faz o curativo. Se a prática, nesse caso, tiver o peso do conhecimento há que se diplomar atendentes de farmácia e os camelôs dos óculos.O que estranho é que arquitetos, economistas, contabilistas, químicos, físicos e outras tantas profissões de relevo não ganham o pseudo-status de doutores. Nem falo dos comunicólogos, meu caso. A denominação já é tão metida a besta que dispensa reverências. Mas, já notaram que as autênticas celebridades das variadas culturas nunca são chamadas de doutores? Oscar Niemayer é apenas arquiteto! Ivo Pitangui estabeleceu a diferença ao adotar o cirurgião. Evandro Lins e Silva, Adib Jatene, Celso Furtado, Rachel de Queiroz, Mario Henrique Simonsen são meros professores". Imaginava que fosse somente para marcar posição. Agora descobri que é apenas uma solução genialmente simples – arquitetada por cabeças reconhecidamente privilegiadas – para permanecerem a léguas de distância do submundo dos "dotores".

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