TRÊS FANTASIAS E UM DESEJO

    Depois de poderosos chopes, eu e dois amigos, passamos a divagar sobre um texto do Carlos Heitor Cony, no qual o cronista revelou o desejo infantil de morar num palácio onde das torneiras jorrasse guaraná. Outra rodada e a abrupta mudança do assunto para a checagem do que havia ocorrido com as nossas fantasias de adolescentes.Iniciei revelando que cobiçava ter vivido o personagem do Marcelo Mastroiani em "Casanova 70". No filme, o ator é um conquistador incorrigível, entretanto, apreciador apenas das mulheres que lhe oferecessem situações de perigo iminente.No final, casa-se e vai morar num alto andar de um edifício, de onde utiliza a sacada externa para encontrar-se com a esposa na alcova.- "É só comparar a minha cara com a do Mastroiani para entenderem o que faltou para que realizasse a fantasia". Antecipei-me à infalível pergunta.Um dos amigos também apreciava o perigo. Narrou que gostaria de ter tido uma amante de marido cruel e ciumento. Contudo, os encontros tinham que possuir ingredientes de filme de Hitckok: barulho de fechadura na porta do quarto, assoalho rangendo, passagens secretas, etc.A seguir, desolado, contou que ao se dirigir para o primeiro encontro que poderia conter esses ingredientes, deu de cara com a esposa a uma quadra do endereço. Desse dia em diante passou a temer duas coisas: Ele e Ela. O terceiro participante imaginava ouvir os lamentos do lado feminino de um casal, através de uma linha telefônica cruzada. Daí, numa ação de hacker descobriria o telefone da mulher e sabedor dos seus anseios, passaria a oferecer-lhe tudo o que o homem a estivesse negando."A esperança de que um dia isso acontecesse terminou quando os telefones passaram a ser digitais. A nova tecnologia praticamente acabou com o cruzamento de linhas". Lamentou. Por consenso, resolvemos brindar ao Cony. Afinal, como ele próprio contou, descobriu um sucedâneo às avessas para o seu sonho infantil: a internet.Apesar de ter ouvido dizer que a rede ainda está na idade da pedra, julga que ela possui algo de encantado. Como recebe de tudo, toda vez que abre a caixa postal, tem a esperança de que um dia abrirá o computador e terá o guaraná jorrando à sua disposição. Conformados, admitimos que, dos quatro anseios, o do escritor – o mais singelo na teoria, porém o mais complicado na prática – é o único com chances de se realizar. –  "Garçom, por favor, traz a antepenúltima saideira!" TIM!TIM! 

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