FELIZ ANIVERSÁRIO

    Naquele domingo de inverno, 10.07.05, ela estava completando mais um ano de vida. E que vida. Sofrida, doída, suada, com sabor amargo, com um horizonte sem promessas de coisas que ela só ouvia falar: amor, felicidade, paz, etc. Tantos anos de luta sem um retorno tão merecido, sem ter algo seu, embora o suor derramado tivesse um imenso crédito com a vida que insistia em castigá-la. Destino? Karma? Ela tinha muita fé, acreditava em um Deus de bondade, mas tinha todos os motivos para achar que Ele a esquecera. Guerreira, sofria, porém nunca desistia.Ouvia alguns dizerem que família era uma coisa sagrada, que nela estaria a raiz da felicidade, no amor conjugal, no amor de seus filhos, e ela tinha dois. Sua prole, seus herdeiros… do nada. Conselhos costumava ouvir para que resistisse, nunca investisse contra uma união que, segundo os mais religiosos, teria sido para sempre. Mas, era este o sempre que ela deveria sustentar, só, sendo mãe e pai? Quando ela ouvia certas músicas como “Gente Humilde” não conseguia segurar a emoção e seus olhos falavam alto de tanta dor, tanta decepção, tanta esperança destruída, tanta fé que já não a compensava. Os anos se transformaram em décadas. O horizonte continuava vazio das promessas que ela esperava que a vida cumprisse. Dizem algumas pessoas que Deus, se nos tira algo com uma das mãos certamente nos compensa com a outra. Mas, será que a regra vale para todos? Será que Deus não faz distinção entre seus filhos? E o tal de destino, como entra nisso? Tantas interrogações, tantas dúvidas, todavia parece que a afirmação acima também estaria destinada à ela.Passaram-se mais de 4 décadas para que, após uma dor maior, após um sofrimento incalculável por uma perda irreparável, ela visse que a outra mão de Deus estava atenta à ela, não a esquecera como chegara a pensar. No auge do amargor, da angústia, por ver que suas orações, sua dedicação, eram impotentes para manter nesta existência o que a morte cobrava para si, a vida, enfim, esboçou-lhe um sorriso.Ela perdera uma boa amiga, mas ajudou alguém mais a não sucumbir junto. Salvou, de certa forma, das garras da depressão, da fuga, do isolamento, talvez até da mesma  morte, quem, depois, acabou por ajudar a acender a luz que deveria tanto iluminar seus dias como aquecer aquela esperança que já fenecia em seu coração. Tantos outros aniversários apenas passaram por ela, apenas tomaram mais anos de sua vida, apenas a empurravam para a desesperança maior sem ter ânimo sequer para apagar tantas velhinhas ou cantar parabéns a você. Agora, porém, sua realidade finalmente mudara e mudara para melhor. Se algumas queixas ela ainda conserva, se as mágoas não se foram de todo, agora ela sorri e diz que já conhece um pouco da felicidade de que tanto ouvira falar. Ela até cantou o “parabéns a você”. Eu a vi feliz, nem se importava de dizer a idade. Preparou um lauto almoço que foi compartilhado não só com seus filhos como com uns poucos parentes e este amigo de longa data. O mais importante: está realmente na casa dela, no lar com que tanto sonhara, embora não alimentasse ilusões. Santa “ilusão” que a solidariedade e sua fé trouxeram para a realidade. Até a passarada, que freqüenta diariamente o seu quintal, a sua varanda, como que percebeu que a felicidade estava por perto.Dois beija-flores, de repente, sem nenhuma cerimônia, entraram pela janela da sala, voaram por toda a sua extensão e saíram pela porta que dá para a gostosa varanda da frente. Foi uma alegria geral. Ela se emocionou e disse que agora até a natureza se lembrava que ela existe. O amor e a ajuda dos filhos que nunca lhe faltaram completavam sua felicidade naqueles momentos tão marcantes de um presente tão esperado. Parece que a vida, enfim, acertou pelo menos parte das dívidas que tinha com ela.  Feliz Aniversário, boa amiga, e obrigado por tudo.

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