INCORREÇÕES GASTRONÔMICAS

    Custou, mas aprendi que o caminho mais curto para se tentar aprender a escrever é ficar prestando atenção nas técnicas utilizadas pelos "pais da matéria". Assim, para períodos de baixa produção, o remédio é costurar os remendos de um assunto polêmico, embrulhar para presente com laço de fita e vender a idéia. Certamente surgirão opiniões divergentes capazes de proporcionar pelo menos mais um escrito. Porém, existem temas que mesmo desprovidos de segundas intenções, rendem acima do esperado. Um deles foi o caso do texto "À mesa como convém", no qual desanquei com essa "onda" dos sushis e sashimis, em detrimento das delicias da cozinha nacional.  O resultado foi tão bom que ganhei dois presentes de Natal antecipados, entre os e-mails recebidos. O primeiro iniciava com o seguinte recado:  "Ri muito, mas muito mesmo, entre outros detalhes, com a colagem. Odeio esse substantivo, que não sei de onde neguinho tirou – colação – que você apropriadamente apelida de colagem e eu poderia emendar dizendo que é um grude".Confesso de público que troquei as bolas: queria escrever colação e saiu colagem. Erro imperdoável para quem, como eu, vive sob o chicote das nutricionistas. O restante do texto foi de lavar a alma. Disse a "leitora" – de quem roubei a expressão usada no título -, entre outras coisas e com toda razão, que "é um verdadeiro porre aturar essa naturebice toda de hoje em dia, todo mundo em dieta, a sensação de culpa quando se pede sobremesa num almoço onde os demais convivas estão "evitando o açúcar". Indicou-me o Lamas para encontrar Iscas de fígado à Espanhola e deu dicas de novidades para lá de incorretas "ecologicamente", como bolinho de aipim recheado de carne seca desfiada do Devassa, ou a " … frigideira – generosa e fumegante – com bifes acebolados, cobertos de lascas de aipim gratinados e com flocos de bacon por cima", que naquele bar atende pelo intrigante apelido de "DNiterói".E quase me matou de saudade ao me fazer lembrar, e ao mesmo tempo ensinar, o que eram as "quitandas" em Minas – aqueles deliciosos anexos que, no interior, acompanhavam os cafés da tarde ou eram servidos para visitas, tipo bolinhos de chuva, quebra-quebra (biscoitos de araruta), pães-de-minuto, broinhas de fubá, casadinhos, biscoitinhos de polvilho azedo, etc.O segundo presente foram duas histórias sobre o "Jóias Bar": 1)  o Jóia – ilustre proprietário do recinto –  tem a mania de mostrar um álbum antigo de fotos aos novos freqüentadores do boteco que se interessam pelas coisas antigas do Rio.  Numa  ocasião em que o fazia, um outro freguês gritou pedindo uma cerveja.  Ele, com aquele jeitão zangado, devolveu: – "Levanta e pega, pô! "Tá" pensando que eu sou teu empregado?"  Parece que isso era comum no recinto:  o cara levantou, abriu a geladeira e se serviu. 2) Um bando do DEMAB degustava a feijoada tradicional, quando alguém perguntou ao Jóia – sentado com o grupo -, se ele já havia resolvido o problema da cozinheira, que ameaçara deixá-lo na mão.  Para espanto geral, ele respondeu:  – "Já, sim.  Casei com ela". Essas manifestações me fizeram lembrar da história de um "angu à baiana" do Bira, "figuraça", aposentado do BC e cozinheiro de mão cheia.  Nosso herói, ao preparar o prato na casa do cunhado Tuninho, erra nas quantidades e a iguaria fica meio "contada". Almoço pronto, chega no faro Bileco, o concunhado, que come por uns dez. Sem outra saída senão oferecer assento à mesa ao "chegante", Bira pede ao Tuninho que corra a freguesia e arrecade todos os tipos de pães que encontre.  Acomoda o resultado num balde, adiciona caldo bastante para formar uma massa compacta e confeita com uma camada de angu,  três pedaços de batata e uns poucos miúdos.  Assina a obra colocando em evidência aquele último osso da rabada  – o mais fino, sem carne nenhuma. Cunhado saciado, o Bira arrisca: – "Tá bom,  Bileco?". –    "Que pergunta!  Nunca comi igual! Esse de hoje então… "Tava" demais!Pra acabar, vou contar uma "derrota": estabeleci, para o dia em que completaria os meus 50 anos, o marco zero da cruzada pessoal pela conservação das tradições culinárias brasileiras.  Em comemoração ao meio centenário, fui convencido a patrocinar um almoço. Aceitei, com a única condição de que não poderia ser um pachorrento churrasco.  No dia, fiquei tão absorto nas conversas que nem prestei atenção no que foi servido.   Só na hora de efetuar o pagamento perguntei quais tinham sido o prato principal e a sobremesa.  A dona do bufê respondeu, orgulhosa: Fricassê de frango e Strudel de maçã!    Minha reação teve uma sonoridade capaz de silenciar todos os convidados: PQP!!!  .

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