Á MESA COMO CONVÉM

    Nunca liderei nada e nem ninguém, mas, estou convocando os amantes da boa mesa para um protesto contra a desmedida proliferação dos restaurantes vegetarianos, orientais e naturais que, todo dia, exibem mais seguidores nas filas do “self service”. Concordo que deva existir preocupação da adoção do controle alimentar, da caminhada diária, enfim, das ações saudáveis, das quais sou praticante. Entretanto, não há astral que resista a uma vida apenas de privações. Isso é coisa para a Madre Teresa de Calcutá! Os prazeres precisam ser preservados! Senão, para que viver? E entre as satisfações tem que haver espaço reservado para pelo menos um angu à baiana num dia útil e umas cervejas no sábado. O efeito é o da canja de galinha: se não fizer bem, mal não fará, nem para os mais “colesterolizados”. A lógica é matemática: se na semana, a gente preserva cinco dias e “escancara” dois, a regularização das taxas sanguíneas vai permitir que se viva com dignidade os anos que vão sendo conquistados. Mas, aonde quero chegar é que cada dia está mais difícil encontrar locais que sirvam pratos tradicionais como o “virado à paulista” (carré, tutu, arroz, couve e ovo), uma capa de filé com feijão manteiga; o bife rolê com purê, a pescadinha com arroz e brócolis, uma língua com arroz, a dobradinha; o cozido e a feijoada. Até o filé com dois ovos também anda sumido. Se achar um endereço que ainda faça uma isca ou um bife acebolado de fígado me conte correndo! A sorte é que existem tradições gastronômicas que não perdem o rumo.  Um exemplo é o “Jóia’s Bar”, um “pé-sujo” que fica na altura do nº. 152 da Rua da Conceição, e que ao som de música clássica e do arrulhar dos pombos, serve a melhor costeleta de porco com batatas coradas da cidade. De “carioquice” ímpar, funciona apenas nos dias úteis, mas, as sextas, anuncia um fino cardápio para o fim de semana, geralmente com lagostas a um preço mínimo. No vocabulário da casa “peito” de frango se transforma em “seios” e para justificar o eterno aspecto de “caindo aos pedaços” do restaurante, o “Jóia”, providenciou uma placa de “estamos em obras”. E mantém na “ponta da língua” a resposta aos “naturebas” sobre a ausência de saladas no cardápio: – “aqui não servimos essas frescuras!”.No âmbito familiar, também o ”bolo solou”. Já reparou como a pizza de tomate seco com rúcula, o frango de padaria, os suchis e sachimis, tomaram o lugar das macarronadas, da carne assada com inhoque e da galinha com arroz de forno dos domingos? Ninguém convida para almoçar um cozido com tudo a que se tem direito, uma peixada, bacalhoada, uma dobradinha com mocotó e coloca à disposição uma cachaça de rolha para abrir o apetite.  Agora só dá aqueles enfumaçados churrascos cortados em bife e a recomendação de não esquecer de trazer a Skol.Que eu saiba o café da manhã brasileiro é composto por uma média com pão e manteiga. Para os endinheirados, existe a abertura para um suco de laranja, mamão e queijo minas. Contudo, hoje, vivenciamos a ditadura do tal do “desjejum” dos cereais, das ricotas, dos iogurtes, enfim, dos alimentos antinaturais que não preservam vermelho o sangue de ninguém. E o café da tarde? “Neca” de um bolinho de chuva, broa de milho, pão doce e chocolate “pelando”. A colagem, apelido pomposo que as nutricionistas deram ao lanche, sugere sanduíche de pão de soja, recheado por lascas de cenoura crua e cortes de alface, ambos transgênicos, temperado com páprica e açafrão. Para beber: suco de açaí com castanha. É triste constatar que, ao escurecer, ninguém mais fatia e frita uma banana da terra e serve salpicada de açúcar e canela!Lembra que o jantar possuía a liturgia do almoço de domingo? Na entrada, sopa de ervilhas com paio e bacon. O prato de resistência variava entre as maravilhas de um milanesa com fritas a um ensopadinho que, conforme o humor da cozinheira podia ganhar por cima um ovo estrelado. Para arrematar, pudim de leite condensado, para não pesar o sono. Agora não, só dá miojo com ketchup ou outra comida pronta para ser “feita” no microondas. Na sobremesa, compota de pêra assada ao gorgonzola. Avacalharam até o cachorro quente! Tem tantos ingredientes, que qualquer dia expulsarão a salsicha do pão.A revolta veio à tona depois que a manchete do telejornal da hora do almoço destacou a introdução na culinária mineira do feijão tropeiro diet. Inconformado, desliguei a TV, e, perdi a fome diante de uma rabada com polenta e agrião ao imaginar os ingredientes desse verdadeiro atentado ao prazer: feijão de soja, óleo de canola, lingüiça de frango, farinha integral e toucinho de salmão. Isso sem contar que estou certo que a sistemática presença dessas “drogas” nas minhas artérias provocaria efeitos colaterais tão depressivos no meu cérebro, que abreviariam ao mínimo o prazo para um provável enfarto.

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