“LÊDA AZUL”

    Minhas equipes de futebol de botões, por terem sido sempre constituídas por sobras de outros times e por improvisações, eram “registradas” como “Mulambos S.R. (social e regatas)”.  Só entre os goleiros é que havia equilíbrio: pegava-se uma caixa de fósforos, enchia-se de chumbo, embrulhava-se com papel de seda, colava-se um escudo, revestia-se com “durex” e estava pronto um goleiro “voador”: um “avião Super Constellation”, como adorávamos apregoar.  Os zagueiros do “Mulambos” eram tampas de garrafas de uísque. Desprovidos de técnica para deslizarem no “campo”, exigiam grande habilidade manual para que a palheta deslizasse por seus corpos e os fizessem mover-se. O resto do time era completado por botões de coco e de plástico, esses providos de uma cavidade no meio para se colar a figurinha dos ídolos, protegida por um plástico transparente. Encontrados em qualquer loja, não tinham valor no mercado “negro”. O ás do meu time era o “Cento e Nove!”. Um botão de casca de coco, empenado, por isso, rejeitado pelos adversários, mas, que, no “Mulambos” foi um artilheiro implacável. É que descobri o seu segredo: eu ajeitava a bola de “ourinho” de maço de cigarros, de maneira que se acomodasse em um pequeno “quebradinho” arredondado da sua borda. Feito isso, não havia goleiro capaz de defender seus certeiros “tirambaços” nos ângulos superiores das traves.   Um dia, numa “roda” de conversa andei contando umas vantagens sobre o “Mulambos” e fui desafiado para enfrentar o temível Fluminense Botão&Clube na arena adversária. Chegando lá, de saída, estranhei o campo marcado em cima de um vidro grosso e transparente, apoiado em cavaletes, ou seja, tinha que jogar em pé. Fingindo não notar as ações do “inimigo”, fui tirando o meu “Exército de Brancaleone” da gasta caixa de sapatos. O oponente fazia o mesmo, todavia, com requinte: de uma mala estilo 007, sacava e lustrava cada um dos seus jogadores de casca de coco ou de galalite, de 5cm de altura, diâmetro de tampa de geléia e simetricamente perfeitos.  Foi uma derrota acachapante: 12 x 1. “Cento e nove”, marcou o nosso gol de honra. A revanche foi em período de “vacas gordas”: paguei uma “fortuna” em selos pelo passe do “Pé-de-Valsa”, virtuoso botão de osso e comprei – “cash” – os direitos federativos do “Lêda Azul”, um “jogador” feito de botão de plástico azul-céu de dois furos de casacão de frio, baixinho, 5cm de diâmetro. Como para ele não havia distância nem posição para fazer gols, tornou-se o sonho de consumo de todos e vivia trocando de dono. Um craque, mas, extremamente mercenário. O botão, dizem, foi batizado como Lady Azul, mas com o passar do tempo, para simplificar, virou Lêda Azul.  A revanche foi na varanda lá de casa, onde o piso era irregular e os rivais tinham que jogar ajoelhados. Além disso, mudei o esquema tático: escalei “Pé-de-Valsa”, alimentando o ataque. Ganhamos de 12 x 10.  “Lêda Azul” “matou a pau!”. Fez oito gols. “Cento e nove” os outros quatro.        Para a realização da “negra” fiz igual a artista para assinar contrato quando no auge, exigi tanta babaquice, que até hoje nunca foi marcada. Quanto ao “Lêda Azul”, assim como apareceu, desapareceu, ou seja, misteriosamente. Bem ao estilo dos astros extremamente egocêntricos. 

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