LINHA 2 É “DOIS”!

    Minha filha caçula comemorou o aniversário oferecendo um lanche às suas amigas. Dentre elas, Roberta, linda moça residente no Flamengo, modelo nas horas vagas, que detentora de elegância incomum, compareceu ao encontro vestida com requinte. Num momento de calmaria da festa, me aproximei e conhecedor do seu orgulho por ter nascido na Baixada Fluminense, perguntei-lhe como tinha se sentido ante aos olhares que certamente fora alvo no metrô até Irajá.  Bem baixinho no meu ouvido ela respondeu: – Como um ser extraterrestre!          O episódio corrobora a sabedoria popular de que “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, ou seja, a Linha 1 é “um” e a Linha 2 é “dois”. Na Linha 1, Roberta seria apenas mais uma passageira. Afirmo porque freqüento o metrô nos dois sentidos e percebo que as diferenças de trajes, hábitos e costumes são gritantes, palpáveis e “afloram à pele”.Não estou me referindo aos nomes riscados nas janelas e nos bancos, pessoas sentadas no chão ou em cadeiras de praia, ou aos portadores de enormes rádios ouvidos em alto som. Vou exemplificar com casos verídicos que presenciei ou me foram narrados por conhecidos, acontecidos no trajeto entre o Estácio e Pavuna e impensável entre a Tijuca e Copacabana.         1) depois do término da batalha pelos lugares sentados, entrei num dos vagões e encontrei um conhecido se “dobrando” de rir. Perguntei o que havia acontecido e ele pediu que observasse as marcas de sujeira nas costas de uma determinada passageira. Depois contou: – ela estava disputando a cotoveladas um lugar sentado, de repente, escorregou e caiu inteiramente estirada, de boca no corredor.                           Perguntei: então, por que sujou as costas? – como ela estava atrapalhando a passagem, “neguinho”, usou de degrau…   2) do interior do metrô vi perfeitamente quando de um casal, só a moça conseguiu embarcar no trem na estação Uruguaiana. Daí o rapaz fez alguns sinais com as mãos, que todo mundo entendeu: ela deveria saltar na próxima estação e esperá-lo para seguirem juntos. Concentrado, nem percebi que o trem havia parado na Pres. Vargas. Só voltei a me “ligar” quando ouvi uma estrondosa gargalhada e olhei para a plataforma ainda a tempo de ver a parte feminina do desencontrado casal subindo as escadarias da estação. Pela reação, todos que assistiram a cena imaginaram a mesma coisa: ela estava retornando para a Uruguaiana e não o encontrando voltaria para a Presidente Vargas. E ele, chegando na Presidente Vargas e não a encontrando retornaria para a Uruguaiana, ou seja, um deve estar procurando o outro até hoje. 3) Esta me foi contada pelo Damatinha, quando viajava rumo a Tijuca: percebendo que o vagão iria superlotar, o nosso herói, trajado de terno e gravata, protegeu-se da turba encostando-se do lado da porta. Do seu cantinho, notou que um senhor já entrado em muitos anos e sem forças para enfrentar a multidão, ia sendo jogado de um lado para o outro do vagão. No Estácio, o cidadão na desesperada tentativa de se equilibrar, agarrou-se na gravata do “da Matta”, arrastando-o para a plataforma. Nosso sindicalista então pediu ao ancião: – Por favor, senhor! Larga a minha gravata!- Não posso! Não tenho onde me segurar. – Disse o homem.- Segura em outra coisa! Eu só quero que o senhor largue a minha gravata!- Tudo que eu quero é descer para pegar o metrô para a Pavuna… – Tudo bem, mas eu não! Então, larga a minha gravata… PÔ!A “saideira” me foi narrada por uma conhecida: a disputa pelo único lugar disponível em um dos vagões do trem estacionado levou duas mulheres, uma magrinha e outra “peso-pesado”, a chegarem praticamente empatadas no final da “contenda”.  A magrinha, mais lépida, ganhou a batalha, mas a gordinha – inconformada – não conversou: sentou-lhe no colo. Com ambas espumando de raiva, os espectadores da cena fizeram suas apostas para ver quem acertava em qual parada uma das duas se daria por vencida. Várias estações depois, a magrinha, com ar de quem chegou ao limite dos seus músculos e pulmões, surpreendeu a todos:- Será que não dava para a gente trocar de posição, não?Literalmente, as duas abriram mão de suas posições iniciais, contudo, fincaram o pé nas suas amarradas carrancas até ao ponto final.Tem gente que vai discordar, mas, confio tanto na premissa de que a Linha 1 é “um” e a Linha 2 é “dois” que, para mantê-la, assinaria um “cheque em branco” até para o Roberto Jefferson.

    Matéria anteriorA RACIONALIDADE CRUEL
    Matéria seguinteE O PALHAÇO O QUE É?