LISBOA E FERNANDO PESSOA

    Meus amigos e amigas, vou me reportar ao ano de 1995 quando estávamos vivendo pela terceira vez na Europa, com sede na linda capital portuguesa. Sempre gostamos de sair andando a pé, e Lisboa nos convida a caminhar, não só a ver os seus encantos, mas a senti-los e os vivenciarmos. É verdade que além de pernas temos que contar com muita disposição e bom preparo físico para isso. A capital portuguesa possui inúmeras ruas que sobem, ruas que descem, um solo com uma topografia, diríamos, bastante acidentada.  Um dos exemplos mais fortes que lhes posso dar é tentar-se ir ao Castelo de S. Jorge        a pé. Sobe-se e sobe-se muito. É uma caminhada que exige demais da gente, mas gratificante quando se chega lá em cima, acreditem. Éramos mais “jovens” e por duas vezes lá fomos contando apenas com nossas pernas e nossos corações. Em anos seguintes já não ousamos tanto, preferimos subir de táxi. Pode-se ir de bonde também. A vista que descortinamos lá de cima, tanto da cidade como do rio Tejo, é inspiradora. E ainda podemos contar com o conforto de um restaurante e lanchonete, e caminhos e mais caminhos, por dentro do castelo, que nos proporcionam motivos, os mais arrebatadores, que nos encantam e sugerem as mais belas fotos.  Nós tínhamos igualmente o hábito quase diário de descer a Av. da Liberdade, desde o lindo Parque Eduardo VII, passando pela estátua do Marquês de Pombal e seguindo por suas calçadas largas e plenas de sombras, nos deliciando com seus jardins e seu pequeno lago artificial, indo até a Restauradores onde se encontra uma das estações de comboio (trem) de Lisboa. Ali termina a Av. da Liberdade. Gostávamos de seguir em frente para passearmos pelas diversas ruas de pedestres do famoso e sempre elegante Rossio. Visitar as lojas, ver e ouvir os músicos ambulantes, tomar um delicioso lanche ao final da tarde, etc. Algumas vezes esticávamos até às margens do Tejo, passando pela bonita Praça do Comércio. Naquela tarde de verão entretanto escolhemos subir, mas para visitarmos o bairro do Chiado. Ele fica em plano bem mais alto à direita do Rossio. Subimos uma escadaria, passando pelo elevador de Santa Justa. Continuamos a subir na rua seguinte e mais na outra, virando à direita.  Mais alguns passos e estávamos na Cafeteria “A Brasileira”. No seu interior um requinte bem ao estilo da nossa maravilhosa Confeitaria Colombo, no Rio. Do lado de fora muitas mesas sobre a larga calçada. Era um quase fim de tarde de verão, com muito sol e um calor meio fresco. Eu já saíra de casa com uma idéia na cabeça e iria realizá-la de qualquer modo. Primeiro lanchamos. Pessoas chegavam, pessoas saíam. A posição do sol favorecia a concretização do meu plano. Esperei um casal bater duas fotos, uma com o jovem sentado ao lado da bonita estátua do poeta Fernando Pessoa, e outra com a jovem na mesma posição.  É sempre a mesma coisa, sentam, sorriem para a câmera, colocam a mão no ombro da estátua e assim vão cumprindo uma rotina nada criativa, percebem? Eu ia fazer diferente, ia me integrar na cena do grande poeta sentado ali à mesa com uma cadeira vazia ao seu lado. Eu me imaginei “conversando” com Fernando Pessoa. Levara de casa uma folha de papel com algo escrito nela. Sentei-me na cadeira ao lado do grande Mestre e coloquei entre os dedos de sua mão a folha de papel. Ele parecia estar a ler o que eu lhe submetia. Procurei olhar direto para o rosto dele, movimentando minha mão direita como que a lhe fazer uma pergunta. Imaginem que este atrevido e esforçado aprendiz de poeta dirigia essas palavras ao Fernando Pessoa: — “Mestre, desculpe meu atrevimento, mas eu poderia ter a honra de ouvir sua valiosa crítica a esses versos que escrevi ainda ontem?” Alguns transeuntes chegavam a parar e comentavam algo entre si. Não tenho certeza, mas de repente eu tivera sido o primeiro a ter aquela idéia. Se não fui, também não vem ao caso. O fato é que a cena por mim montada despertou sim bastante curiosidade. A foto esteve a cargo de minha saudosa esposa. Momentos depois tratamos de iniciar o caminho de volta à casa, já ao começo da noite. E aí, meus amigos, se as ruas do Chiado  estavam então “a descer”, a partir da Restauradores, e por toda a Av. da Liberdade, até chegarmos aonde morávamos, é tudo a subir, a subir sempre até em casa. Raramente tomávamos um táxi.  Era o ano de 1995. Voltamos lá pela última vez em 1998. Vivemos então por seis meses. Saudades, saudades muitas da boa terra, dos amigos que lá temos, de tanta felicidade que desfrutamos em quatro longas estadias na Europa. Um dia voltarei lá.

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