MEDINA; A MORTE DE UM IMORTAL

    O ex-funcionário Jorge Abrahim Medina, conhecido como “Mestre” faleceu silenciosamente no dia 2 de maio. Sua morte só foi descoberta, dias depois, por alguém atento ao SISBACEN.  Pelo prestígio que o Medina desfrutava entre os funcionários, a multidão que compareceria ao enterro seria digna de registro em todos os veículos internos do BC.  Primeiro, quero parabenizar ao José Valério Pereira da Silva, que lhe fez a única homenagem no âmbito do Banco Central na Rionet do dia 11 de maio. E depois, solicitar ao editor para ultrapassar o número de linhas, mesmo sabendo que a história de Jorge Medina mereceria, no mínimo, um livro; para contar algumas de suas facetas.Quando cheguei à antiga RECAM-IV transferido da REMEC, fui “adotado” por ele que não conhecia e por Irapuan Sequeira. Logo de cara, passei a ser um dos seus seguidores.O setor era abarrotado de trabalho, onde todos trabalhavam,sérios, calados, e, como diria um amigo meu, “febrilmente”. Aquela seriedade só era desfeita quando o Medina chegava ao meio dia (trabalhava meio expediente) e começava, junto com Irapuan a descontrair o ambiente, trocando gozações um com o outro.No setor havia um serviço que era o “must”: o cálculo da cotas das guias de exportação. Todo dia lá pelas três horas, começavam os avisos dos chefes: “olha a cota, olha a cota”, como se fosse o serviço mais importante do BC. Era um Deus nos acuda! Foi então que a tarefa passou para as mãos dos dois (Irapuan e Medina) que, assoviando transformaram o mais nobre serviço da RECAM-IV numa banalidade.Devido a sua fama de “Mestre” da macrobiótica, vinha gente de longe para realizar uma consulta gratuita. Geralmente seus diagnósticos recomendavam mudança de hábitos e principalmente da alimentação, com o corte imediato da carne vermelha. Caso fosse mulher e ficasse retornando para conversar “abobrinhas”, passava para os conselhos sentimentais. Ele exercia um fascínio tão grande que, parte delas, se encantava com sua conversa e passavam a serem atendidas em motéis. Mas, o que gostava mesmo era de freqüentar as termas (para onde andou me levando). Com toda razão dizia: “é a melhor coisa: vou lá, bebo um drinque, ouço uma música, escolho uma namorada, converso, relaxo, pago e vou embora sem nenhum compromisso posterior”.Apaixonado e profundo conhecedor do corpo humano, depois de uma aula teórica sobre o desenvolvimento e implicações das doenças, desenhava o funcionamento do órgão, mostrava o problema graficamente e o que deveria ser realizado para o seu combate.No capítulo da medicina há de ser ressaltado que o seu pai não tinha condições de bancar ele e o seu irmão gêmeo no curso de medicina. Abriu mão em favor do irmão e cursou biologia. Também, no âmbito familiar, registro que contraiu um breve casamento com uma atriz com quem teve um filho que criou sozinho. E no tópico da alimentação duas passagens: fui almoçar com ele e o Irapuan num restaurante do centro da cidade do qual eles eram freqüentadores um risoto de arroz integral com camarão. Ao fazermos o pedido ele pediu que o seu prato fosse reforçado com dois ovos estrelados. A princípio não entendi nada. Só fui compreender quando terminei de comer e não mastiguei sequer uma barbatana de camarão misturado ao arroz. De outra feita, dei de cara com ele numa lanchonete atracado num enorme sanduíche de carne assada. Ante ao meu espanto, ele foi pragmático: “eu sei que sou imortal, mas de vez em quando tenho uma recaída humana e cometo um pecado”.  Medina tinha apenas dois vícios: fumar um único cigarro antes de dormir na janela do seu apartamento e assistir jogos do Vasco. Gostava de contar que viu a um jogo contra o Flamengo, em que o “Fio Maravilha” do Fla, entrou na área e só tinha à sua frente o Andrada, goleiro argentino do Vasco. “Fio” elevou a bola de modo a encobrir o goleiro, mas esse, como se fosse um saltimbanco deu um salto para trás, e agarrou a bola, evitando o gol.Jorge Medina realizou o seu grande sonho: escrever um livro sobre os benefícios da alimentação saudável.  Sem medir despesas, bancou a espetacular obra: “O homem, seu alimento, seu futuro”. A edição era para ser vendida, mas presenteou a um amigo, a outro, a outro…  Em um final de expediente telefonaram para o setor avisando que seu filho estava passando mal, contudo ele havia saído cedo e ninguém sabia para onde. Conhecedor de seus hábitos eu me apresentei para resolver o assunto. É que o Medina andava me dizendo que estava meio impressionado com uma garota de programas que dava expediente num determinado endereço no centro da cidade. Fui até lá e o encontrei sentado num amplo sofá, espremido no meio de quatro mulheres, duas de cada lado. Cada um dos seus dois longos braços alcançava duas delas à sua direita e outras duas à sua esquerda. .A atual paixão, bem coladinha ao seu corpo, estava meia que de lado, cheia de intimidade, quase sentada sobre as pernas do “Mestre”. Ele, o único homem presente, fazia uma apaixonada defesa da alimentação saudável para as mulheres presentes naquela hora no salão que o ouviam com incrível atenção. Estava perfeitamente à vontade no ambiente que tanto gostava e da forma que sempre pedia a Deus: rodeado de mulheres.

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