MESTRE RUBEM ALVES, VOCÊ NÂO É VELHO

    No dia 30 de outubro, na edição “on line” de A Folha de S. Paulo, eu li uma crônica assinada pelo nosso grande mestre da palavra, o escritor Rubem Alves. O título era “A Gente é Velho…” Li e reli e após muito pensar decidi meter minha colher. Sei que é muito atrevimento meu, mas sou movido pela melhor das intenções, creiam. Permitam que, mesmo sabendo que não vou ser lido pelo nosso mestre, eu me dirija a ele a partir daqui. — Prezado Rubem Alves, antes de mais nada venho apresentar-lhe os meus respeitos, os meus melhores aplausos, a minha admiração perene. Agora, com licença, vamos à sua crônica “A Gente é Velho…” Cheguei a imaginar que você se referia a ser velho todavia analisando o assunto de uma forma genérica, jamais pessoal. Por isso me assustei com o tom mais para desânimo do que para “viva a vida”, qualquer que seja a idade que ostentemos. Afinal o tempo não pára e nos leva sempre de carona sem sequer pedirmos isso a ele, não é? Você começa sua explanação dizendo: “A GENTE É VELHO QUANDO, para descer uma escada, segura firme no corrimão. E os olhos olham para baixo para medir o tamanho dos degraus e a posição dos pés.” — Em seguida você faz comparações com o tempo em que era moço, etc e tal. Mais adiante você insiste na argumentação: “Agora é preciso o corrimão. Depois virão as bengalas, corrimões portáteis que se leva por onde se vai. A gente é velho quando, no restaurante, é preciso cuidado ao se levantar. Moço, as pernas sabem medir as distâncias que há debaixo da mesa. Mas, agora, é preciso olhar para medir a distância que há entre o pé da mesa e o bico do sapato. Há sempre o perigo de que o bico do sapato esbarre no pé da mesa e o pé da mesa lhe dê uma rasteira, você se estatelando no chão.” Caro Rubem, se eu estivesse lendo um texto de autoria do nosso bom Veríssimo, ou mesmo de Millor Fernandes, daria umas boas risadas, aceitaria tudo com muito bom humor e ponto final. Mas não, você fala sério, e a seu respeito, se enquadra injusta e cruelmente no conceito de “velho”. Por que esse pessimismo todo?  “A gente é velho quando entra no box do chuveiro com passos medrosos e cuidadosos. Há sempre o perigo de um escorregão”.. —  E  mais à frente você afirma: “A gente é velho quando começa a ter medo dos tapetes. Os tapetes são perigosos de duas maneiras. Há os pequenos tapetes de fundo liso, que escorregam. E há os grandes tapetes que ficam com as pontas levantadas e que fazem ondas. O pé dos velhos movimenta-se no arrasto e tropeça na ponta levantada do tapete ou na armadilha da onda.” Perdoe este sujeito bem vivido, porém que não se considera velho. Não acredito que o amigo já ande arrastando os pés simplesmente pela idade que tem. Sei que você nasceu em 13/setembro/1933, portanto está hoje com apenas 74 anos, quando todos dizem que temos perspectivas de vida de passarmos dos  oitenta e mesmo dos noventa anos, com muitos já rasgando a faixa de chegada da idade centenária. E então? Eu nasci em 17/agosto/1936, e ostento com orgulho os meus 71 anos, sem medo de ser feliz, sem medo de tapetes, nem de entrar no box do banheiro, eventualmente tocando em corrimões, escrevendo e mais escrevendo em prosa e em verso e deixando a vida me levar, como diz o poeta popular. Quase nada nos separa na idade, Rubem, só na inteligência, na cultura geral, no talento, pois reconheço a minha inferioridade. Saltando para o centro do seu artigo, leio o fato que você conta ter-lhe ocorrido no metrô, há 25 anos atrás. Você escreveu: “O metrô estava cheio. Jovem, segurei-me num balaustre. Notei então que uma jovem de uns 25 anos me olhava com um olhar amoroso. Olhei para ela. E houve um momento de suspensão romântica. Minha cabeça e meu coração se alegraram. Até o momento em que ela se levantou com um sorriso e me ofereceu o seu lugar. Foi um gesto de bondade. Com o seu gesto ela me dizia: "O senhor me trás memórias ternas do meu avô…" Houve aqui, nesta narrativa, caro mestre, pelo menos dois erros, ou enganos, tanto de conta quanto de avaliação pessoal. Vejamos: hoje com 74 anos, é claro que há 25 anos atrás, conforme o mês em que ocorreu aquele fato no metrô, você teria ou 48 ou 49 anos, nenhum a mais, prezado Rubem. Faça as contas, por favor.  Por primeiro eu me permito perguntar-lhe: já viu neste país alguém ceder seu lugar num transporte público a uma pessoa com somente 48 anos? Perdoe, você foi otimista demais e/ou aquela garota não existe! Por segundo faço-lhe esta indagação: tendo você aquela idade como pode supor que ela o tomasse pela imagem do avô? Avozinho precoce, hein? Desculpe o chiste, com todo o respeito que tenho por você. Incluo aqui o que me disse sobre o seu texto um bom amigo da antiga, bem mais vivido que nós dois, além de ser professor aposentado, contista dos melhores, e psicólogo dos bons, um ser humano como poucos: “Amigo Simões, lembro uma frase que li há tempos: "Não paramos de nos divertir por ficarmos velhos. Envelhecemos por pararmos de nos divertir."— (Mestre Rubem, você se formou em psicanálise, não?) E o sábio amigo ainda acrescentou: “Ficamos velhos quando paramos de sonhar. Ter idade não é motivo para ficarmos velhos…” — Como vê, prezado Rubem, não estou sozinho na análise que fiz sobre sua crônica. E não gosto de sempre usarem o vocábulo velho num certo sentido meio pejorativo, já percebeu, mestre? Na minha modesta experiência de vida, 71 anos, viúvo duas vezes, caindo e se levantando outras tantas, aposentado há 20 anos, mas não deixando de trabalhar nunca, e jamais fugindo ao direito de viver, qualquer que seja a idade que Deus me conceda por merecimento ou castigo, digo que é velho quem pensa como velho, quem age como velho, portanto quem assume postura de velho.  Para encerrar, um acordo: sei que você não vai mesmo tomar conhecimento do que escrevi, então eu continuo seu fã, seu leitor, respeitando-o como mestre das palavras, e você, caro Rubem, esquece este “veio” que ama a vida, e que teve a pretensão de se meter nos seus assuntos. Afinal você tem todo o direito de se considerar velho, pronto.

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