MEU PAI, UMA “FIGURAÇA”

    Neste início de agosto, mais uma vez, sobrou para mim a mensagem do “Dia dos Pais”. E, na ausência de qualquer centelha de inspiração, uma das tentativas para “esquentar as turbinas” foi  fechar os olhos e apelar para antigas lembranças do meu “velho”.                 Meu pai, uma “figuraça”, tinha calma irritante, cigarro entre os dedos e conversa comprida. Tão comprida que era comum chegar ao final de uma história, mesmo que ainda estivesse no meio da narrativa, sem dar a mínima para o motorista que costumava buzinar freneticamente em frente a nossa casa para alertá-lo que os demais passageiros estavam esperando por ele no ônibus. Naquela época trabalhava como caixeiro-viajante e percorria o interior do Estado em linhas que passavam pela nossa rua e que, por sua causa, faziam parada em frente à nossa residência.                  Sua semana era variada: nos sábados e domingos, em casa, não tirava o pijama. Havia os dias em que de calça, camisa e paletó, saía cedo e só voltava tarde (tão tarde que no aniversário de 15 anos da minha irmã perdeu a hora da valsa). Naqueles dias, sob a justificativa de que era um ganhador, ia jogar sinuca a dinheiro. Em outros, se a maré financeira estivesse favorável, não dispensava o terno e a gravata para ir à “capital do mundo”: Niterói.                Sua instabilidade profissional o levou a abandonar o Exército, os Correios e a Receita Estadual. Por isso, vivíamos longos períodos de “dureza” e rápidos meses de riqueza. Quando “rico” gostava de nos levar ao Rio. Os gastos descontrolados com hotéis, restaurantes, futebol, teatros e cinemas faziam com que sempre tivéssemos que retornar antes do tempo. Um segredo até hoje indecifrável, era como nas fases “duras” garantia as nossas mesadas.                No fim da vida, a sua condição de ex-combatente lhe rendeu um emprego público que o aprumou. Naquele período, viúvo da minha mãe, casou-se com uma viúva caçadora de pensões e voltou a viver “pendurado”. A partir daquela fase passou a falar sobre a Guerra de 1945 e pelo tempo de exército que passou em Natal (RN) defendendo “as costas brasileiras”, mas escondia que por lá nunca houve troca de tiro algum.  As lembranças de passagens da sua vida me fizeram sorrir sozinho: num restaurante chique havia, sobre a mesa, um recipiente com um líquido parecido com água. Para mostrar sua intimidade com o lugar, pegou o objeto e cheio de pose, sorveu um grande gole. Somente ao ver os fregueses de outras mesas utilizando a lavanda para lavar as mãos, é que limpou o pigarro da garganta e nos olhou advertindo: o primeiro que fizer um comentário, eu mato!                 Um dia fomos tomar o café da manhã num hotel que ele freqüentava nas suas fases de pobreza. Ele pediu duas médias com pão e manteiga. Ao separar as bandas dos pães viu que a manteiga havia passado longe. Conhecido do garçom, não titubeou: – “Eugênio! Quem é que passou manteiga no pão?” E o garçom: – “Fui eu, doutor!”E ele, “na lata”: “E quem tirou?”Como essas lembranças não são dignas de homenagear pai algum, muito menos o meu, o jeito para entregar a encomenda foi o de  me submeter a um percentual matemático que a cada dia se torna mais perverso: 5% de inspiração e 95% de transpiração. 

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