O SOM DA SAUDADE

    Quem já viveu algum longo período fora do Brasil com certeza irá se identificar  melhor com o que vou narrar.  Eu vivi  4, na Europa, já falei disso. As semanas vão se sucedendo, estamos felizes, conhecendo terras e povos, vivenciando seus hábitos, costumes e cultura. É assim que gosto de viajar. Faço do turismo um aprendizado, sempre, ainda que retorne a locais que visitei antes. Há sempre o que aprender. Mas, chega o momento em que se ouve o “som da saudade”. Claro que  ela já está latente, bem escondida em nosso peito, e nós a vamos dissimulando, acompanhados de uma imensa felicidade, a de realizar sonhos, de rever pessoas queridas etc. Em 1992 estávamos visitando a cidade de Estrasburgo, na França. Gosto de andar, de me sentir um pouco como que habitante local, onde quer que eu vá. Era começo de noite. Na entrada de uma pequena galeria um jovem tocava sua flauta acompanhado de outro com o violão, ambos franceses. Paramos e nos deliciamos com o repertório de bom gosto, bem executado. Eles mesclavam música clássica com popular, internacional.  De repente iniciaram os acordes de “Garota de Ipanema”. Foi inevitável uma certa nostalgia, embora não fôssemos exilados. Um misto de saudade com o desejo de ainda não voltar. Os músicos eram bem talentosos.  Ao final daquela canção dirigi-me ao flautista e o cumprimentei. Falei ser brasileiro e residente em Ipanema, no Rio. Ele sorriu e disse apreciar muito a música do nosso país. Comprei uma das 3 cassetes que tinha à venda.  Quando voltei para perto de minha esposa, percebi que o da flauta cochichava algo no ouvido do violonista. A seguir os dois atacaram rápido de… “Brasileirinho”. Ora, se na flauta estivesse o nosso mestre Altamiro Carrilho não seria surpresa alguma, mas não, era um jovem francês, tocando na rua. E ele se desincumbiu muito bem da tarefa. A emoção reacendeu a saudade que acelerou o coração. Em 1998, viajávamos no bonito trem TGV, de dois andares, a quase 300km p/hora. Estávamos no segundo piso. Íamos de Lyon para Paris. Na lanchonete do trem  o som ambiente tocava músicas de João Gilberto. Reparei que a garçonete, no balcão, cantarolava.  Aproximei-me e indaguei se era francesa. Ela confirmou. Perguntei se sabia as letras das canções que estavam sendo executadas. Ela disse que algumas, sim. Comentei então que eu era brasileiro e apresentei minha esposa. Os lindos olhos claros da jovem brilharam ainda mais traduzindo uma alegria que nos contagiou. E com palavras nos emocionou ao dizer que nosso cancioneiro popular é dos mais bonitos do mundo. Citou Tom Jobim, Vinicius entre outros.  Falei a ela que hoje, no Brasil, quase não se ouve essas belas canções, que estamos sob um tiroteio de composições de gosto bem duvidoso. Ela se mostrou meio descrente. Pensou que eu brincava. Infelizmente eu falava a verdade.  Em 1995 fomos fazer mais uma visita à bonita e aconchegante Plaza Mayor, em Madri. Ali artistas da calçada expõem suas obras, há lojas de artesanato e artigos de souvenires os mais variados. Há também vários restaurantes. A arquitetura dos prédios que ladeiam a praça é um deleite para os olhos.  Nossos ouvidos foram atraídos para um grupo musical que  ensaiava para o show da noite. Eram todos alemães, mas quando começaram a cantar, a música era…brasileira, samba-canção daqueles que dificilmente hoje escutamos por aqui. Eles têm bom gosto musical, nós também, mas moramos no Brasil! Voltou aquele arrepio num misto de orgulho e alegria, da ventura de ser brasileiro e podermos nos emocionar com o “som da saudade” que nos segue pelo mundo a fora, mais uma vez, estando  tão longe de casa.  Recordo-me que em 1992, em Lisboa, tomamos um taxi e logo identificamos o sambão bem brasileiro. Claro que em Portugal este registro é ainda mais fácil. Indaguei do motorista que rádio era aquela e ele respondeu: “Não senhor, isto é uma cassete. É aquele grupo “Só pra contrariar”. Eles são muito giro” (tradução: ótimos, legais).  Por lá ouve-se muito este gostoso “som da saudade” até em lojas, andando pelas ruas, nas rádios e TVs. Nossos artistas estão permanentemente em terras lusitanas. Em 1998, no belo cenário da EXPO, também em Lisboa, o melhor da nossa música andou por lá presente em vários shows, era só escolher. Em certo fim de tarde, já com as pernas cansadas, sentamos e tomamos um lanche. Do imenso anfiteatro da EXPO, ao ar livre, chegava-nos um som familiar. Fomos conferir. Era a alegre rapaziada do SKANK.  Eles agitavam a massa com um delicioso xaxado e emendaram a seguir com essa obra prima que é “Asa Branca”. Uma apresentação muito brasileira, de raízes, que invadia nossos ouvidos, mais uma vez, e alcançava o nosso coração com o “som da saudade”.  A vibração tomou conta de todos, brasileiros, portugueses, italianos, espanhóis, alguns holandeses,  que visitavam a bonita EXPO. Quem já passou por isso sabe que é difícil segurar a emoção, há mais de 10.000km  de casa. Em 1989 passeávamos à noite num daqueles bonitos e imensos barcos que fazem turismo pelos inúmeros canais de Amsterdã, na Holanda. Aquela era  nossa primeira ausência prolongada do Brasil. Num passe de mágica o som ambiente nos presenteou com Tom Jobim.  Aquela saudade tinha som e tinha cor, era muito verde e amarela. Bom saber que eles apreciam e respeitam o melhor da nossa música. E como a tocam, como a tocam. Podíamos  “imitá-los” mais por aqui. Poderia lhes dar muitos outros exemplos que presenciamos nas nossas quatro estadas por lá, porém, para não me alongar, vou lhes contar apenas mais um. Em 1998, na cidade de Bolonha, na Itália, em certa tarde, caminhávamos pela parte mais antiga da cidade. Havia um silêncio quase infinito. De longe, porém, uns acordes começaram a ressoar pelas seculares paredes e alcançaram nossos ouvidos.  Aquele som solitário se harmonizava com a nossa emoção. Percebemos que tínhamos intimidade com aquela canção. Mas, de onde ela vinha? Seguimos sua pista, seu, digamos, aroma musical que preenchia o ar, de Brasil. Embaixo de imensas colunas estava um solitário flautista, cabelos longos, bigode bem cheio, a tocar… “Rosa de Maio”. Leváramos nossos ouvidos tão longe para que pudessem relembrar uma das mais lindas canções brasileiras que já ouvimos em tantos anos de vida. O tempo, parado nas pedras daquelas ruas e nas paredes daqueles prédios em volta de nós, conhecia um pouco do que temos de mais belo em nossa cultura musical. Ao final da execução minha ansiedade me fez ir cumprimentar o flautista e dizer-lhe também que éramos brasileiros, com muita honra. Sério, ele agradeceu e disse que aquela música mexia muito com seu sentimento.  A aceitação de nosso cancioneiro popular, por todo o mundo, é fantástica. Felizardos os que podem comprovar isto pessoalmente e se comover com o “som da saudade”. Francisco Simões.   

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