O SORRISO DO CORPO

    Sabem que vez ou outra eu “pesco” aqui e ali alguma palavra, alguma expressão, algum sentimento bem externado, e sinto que pode gerar um bom texto. Anoto e vou em frente. Na hora que me vem inspiração eu começo a escrever.Assim ocorreu com o título desta crônica que me trouxe à mente atitudes de minha juventude quando eu comparecia a algum baile. Este Chico, ali pelos 14, 15 e até os 20 anos, gostava muito de dançar. E ainda gosto, claro.  Depois, no correr da minha vida, com as andanças pelo mundo, as mudanças no meu estado civil, ora solteiro, ora casado, ora desquitado, divorciado, depois casado novamente, depois viúvo e novamente casado, etc, fui tendo menos oportunidades para exercer tal atividade que sempre cultuei com muito gosto. Há anos que dificilmente danço. Quem adora dançar é minha Lena. Ela não perde uma oportunidade quando a música que ouvimos a instiga a mostrar que ainda tem muito talento pra a dança. Algumas vezes ela insiste comigo e eu cedo, isto dentro de nossa casa. Já houve oportunidade de dançarmos na AABB -Rio, ao som delicioso do excelente conjunto conhecido como “Telhado Branco”. Senti que eu ainda tinha algo da velha “forma”. Voltando à minha mocidade vou lhes revelar esta postura muito íntima que nunca contei em algum texto anteriormente. Quando eu era bem jovem, ao ir a alguma festa, algum baile, procurava sempre me “exibir” antes de tirar uma jovem para dançar. Explico: tratava de tirar primeiro a minha mana Rosa de Fátima, recentemente falecida, e como ela dançava muito bem, eu deitava e rolava. Após a “exibição” eu conseguia vencer certa timidez que me acompanhava sempre. A partir dali ficava mais fácil convidar alguma garota para dar uns passos comigo. Afinal, fosse ela quem fosse, já tinha me visto dançar com minha irmã. Isso contava a meu favor, com certeza. Eu repetia sempre aquela atitude. Mais pra frente, quando minhas outras irmãs, a Dora e a Luiza, foram crescendo, eu passei a escalá-las também para me “apresentar” antes da ousadia de me dirigir a alguma garota bonita que me interessasse não apenas para uma dança, claro. O tempo foi passando, eu vim morar no Rio em 1960, me desquitei do primeiro casamento, me divorciei e havia me casado novamente. Ainda no correr dos anos sessenta, já no DESED, o Departamento de Treinamento de Pessoal do Banco do Brasil, como professor e Coordenador de cursos, fui destacado para dirigir o primeiro deles realizado em minha terra natal: Belém. Amei a idéia e assim voltei ao meu torrão natal. As atividades do curso só ocorriam à noite entre 19 e 22 horas. Aos sábados eu matava saudades dos bailaricos que ocorriam na sede da AABB, à noite, perto da casa dos meus pais, onde eu estava hospedado. Minha irmã Otília Dora, já uma bela jovem, ainda solteira, passou a ser o meu “alvo” ou “escudo”, para vencer aquela timidez, então já mais fraca, porém ainda presente na hora de dançar. Com ela eu bailava umas três músicas e depois… tudo como antes no quartel de Abrantes, como dizem, certo? Mas, a esta altura vocês devem estar se perguntando de onde afinal eu tirei o título deste texto. Pois vou revelar agora. Não sou daqueles que costumam afirmar não ver novelas, o que nem sempre é verdade. Alguns eu acredito que não gostem de assistir, porém outros o afirmam, sei lá, por mero “charme”. Ver novelas devem achar que é coisa de gente nada intelectualizada. Pois eu vejo. Não perco meu tempo com qualquer uma delas, isso não, mas no momento, por exemplo, tanto eu quanto Lena não deixamos de assistir à novela das 18 horas, que acaba começando quase às 18:30 hs. Gostamos da temática, mesmo com aquela fantasia de um certo reinado distante que visita nosso sertão em busca de sua herdeira do trono real. Os atores e atrizes são ótimos. Em certo capítulo, o excelente e consagrado ator brasileiro Matheus Nachtergaele, vivendo o personagem de um profeta num povoado de gente muito, muito pobre, foi perguntado por uma moradora do lugar se ele achava que a dança era pecado. Ele sorriu, acariciou o rosto da senhora e disse: “Amiga, a dança é o sorriso do corpo.” Achei aquilo lindo e poético. Méritos ao autor da novela “Cordel Encantado”, claro. Logo tive a idéia de usar aquela expressão tão significativa como título para revelar, no correr do texto, mais algumas de minhas facetas de juventude. Sempre fui amante da dança. Aprecio por demais assistir tanto ao balé clássico como a exibições do que chamam de dança moderna. Nessa encontramos grupos de muito talento que merecem o nosso aplauso. Seria este vivido Chico um dançarino, ou bailarino frustrado? Não sei, talvez não. O gosto que alimento sobre a dança, para quem acredita, pode vir de outras encarnações. Quem sabe? Antes de encerrar gostaria de me referir, rapidamente, ao ator acima citado, a quem foi dada a fala que me levou ao texto desta crônica. Matheus Nachtergaele nasceu em S. Paulo em 1968. Ele se notabilizou como ator de teatro e seu sucesso explodiu na década de 90. Matheus tem atuado em teatro, cinema e TV. Acompanho seu trabalho há muito tempo. Seu sucesso o levou à televisão (TV Globo), onde estreou na minissérie Hilda Furacão como Cintura Fina. O sucesso na minissérie o levou a atuação como protagonista na também minissérie que se tornou telefilme Auto da Compadecida, baseado na obra de Ariano Suassuna, no papel de João Grilo. Atuação essa que lhe rendeu o Grande Prêmio do Cinema Nacional como Melhor Ator.Pode parecer que isto nada tem a ver com o tema do meu texto, porém não custou-me nada fazê-lo como uma espécie de agradecimento a quem, na magnífica interpretação de um profeta, acabou por me “dar” o ensejo de ter um título para falar, mais uma vez, de alguma faceta de minha já longa vida.

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