ÓRFÃO DE CORAÇÃO?

    No assunto amor as opiniões costumam variar muito. Elas refletem geralmente as experiências de vida de cada pessoa especialmente no que concerne a ter sido feliz ou infeliz em amores ou desamores que tenha vivido.  No passado, sem querer emitir opinião saudosista, mas realista, havia mais respeito entre aqueles que se uniam em namoro ou finalmente em matrimônio. Não estou dizendo que só havia santos, isso não, afinal o ser humano nunca foi totalmente bom nem totalmente mau, porém sempre carregou, em seu comportamento, essa dicotomia de sentimentos. O que não se pode desmentir é que já de algum tempo as tais juras como “unidos para sempre”, ou “até que a morte nos separe”, parece que entraram num declínio que justifique o elevado número de casais que se separam, alguns com poucos meses de casamento. Conheço vários casos.  O amor talvez não esteja sendo levado tanto a sério por muitos e o matrimônio seja encarado por vários casais que chegam até ele como um tipo de “loteria”. Devem pensar algo assim: “Vamos lá, vamos ver no que vai dar, a gente arrisca, se der, deu, se não, a gente pula fora e cada um segue seu rumo.” Estou mentindo? Conheço pessoas que mal se uniram pelo tal matrimônio e logo depois começaram a se queixar a amigos e amigas desfiando defeitos e mais defeitos que “descobriram” seja no marido seja na esposa. Parece que antes não se conheciam o suficiente para chegar aonde chegaram ou “aceitavam” comportamentos que depois de casados passaram a condenar. Como se os queixosos também não tivessem defeitos ou passassem a se considerar, após o enlace, seres perfeitos. Claro que entre esses existem casais que se digladiam no ambiente sacrossanto do próprio lar, xingam, ameaçam, porém ou lhes falta coragem para se separarem ou não o fazem por pura conveniência e aí, como diz o Chico Buarque, “vão levando”. O risco é caírem no que eu chamo, sem maiores rodeios, de sem-vergonhice. O respeito recíproco já terá terminado há muito tempo.  Desculpem a sinceridade, e os psicólogos que me perdoem, mas julgo que hoje o que impera em muitos casos, é uma grande irresponsabilidade, um certo desapego que acaba “explodindo” depois, na vida a dois. Por isso as estatísticas divulgadas provam que há hoje mais separações do que casamentos. Confiram, por favor.  Considerem o que eu escrevi até aqui como um intróito ao que pretendo dizer a partir de agora. Vou me referir tanto às pessoas que no casamento encontraram um amor que viveu em clima de felicidade por longos anos, mesmo com eventuais falhas no “sistema”, pois nada é totalmente perfeito, quanto àquelas que pelo matrimônio viveram anos e anos de sofrimento, de uma tortura diária onde imperou o desamor traduzido por maus tratos, indiferença, ou um permanente clima de infelicidade. Dessas pessoas não se pode exigir que tendo vivido décadas num casamento onde elas foram sempre vítimas, porém acusadas quase diariamente, digamos, pelo seu parceiro, de tudo que não faziam de ruim, de repente possam acreditar num eventual amor que se apresenta, que se declara e que jura amá-la. É compreensível e entendo que seus sentimentos esmagados, pisoteados, triturados, possam ter deixado marcas profundas que precisarão de tempo e paciência para sarar. Mesmo sarando, haverá uma forte descrença a perdurar, sabe-se lá por quanto tempo, num coração machucado e num orgulho ferido e atingido em sua dignidade pessoal. Por mais forte que ela alimente certa amizade já de longo tempo parece que elevá-la desse plano para um patamar onde tenha que acreditar em sentimento mais nobre, naquele em que a mesma pessoa passe a lhe dedicar um afeto profundo, uma dedicação praticamente absoluta, mas não infalível, torna-se complicado. Se a “ferida” sarou a desconfiança também deixou raízes profundas. Quem passa por esta experiência de amar uma pessoa que vem de um relacionamento duradouro, mas muito sofrido, sabe do que eu falo. Especialmente se quem agora ama tenta fazer-se entender pelo amor à outra pessoa que viveu experiências completamente diferentes da dele. Digamos que no passado amou e foi amado, uma ou várias vezes. Sim, eu não acredito nessa regra rígida que amor apenas se tem uma vez na vida. Há muitas controvérsias, com certeza. Colocando o exemplo de um bom amigo em aberto neste texto conto-lhes que outro dia eu comentava com uma nova amiga, a Renata, da Ford, aqui de Cabo Frio, sobre o que acontece com ele a cada vez que sua atual esposa necessita viajar para sua terra com seus filhos e visitar parentes ou assistir a algum evento importante e ele não pode ir.   Eu repeti para ela o que ele sempre me diz. Estando sem ela a casa dele fica muito vazia, a vida perde em sentido, até a natureza entristece. À noite, ao ir para a cama, se ele apaga a luz do abajur parece que se sente sufocar. Claro que é mais uma reação psicológica, porém verdadeira. Anteriormente ele ficara viúvo e sua cama de casal volta agora, nesses dias, a ficar muito espaçosa, como ocorria na sua longa experiência anterior. Ele diz que acende o abajur, dá um tempo, tenta fugir da sua imaginação, mas logo volta a apagá-la. O fato se repete e ele é obrigado a novamente acender o abajur. Chega um momento em que o cansaço acaba por levá-lo a “nocaute” e assim ele adormece. Se depois ele fala para sua atual esposa o que se passa com ele na ausência dela ela ri e acha tudo uma tolice. Claro que meu amigo diz compreender sua reação e não leva a mal, de forma alguma. Sua esposa passou muitos anos pelas experiências terríveis de um casamento desastroso como conto acima. Mas a nova amiga Renata naquele dia estava inspirada e ao ouvir meu relato afirmou com todas as letras: “Sr. Simões, o amor tem dessas coisas, é que na ausência dela seu amigo se sente… órfão.” Sinceramente aquilo me soou como poesia e eu acrescentei: “Claro, órfão de coração, órfão de sentimento, você tem razão.” Assim é o amor e suas diversas faces.

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