PRECONCEITO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

    Há duas semanas divulguei a crônica “Preconceito, uma vergonha mal disfarçada”. A repercussão, através de diversos comentários a mim enviados, foi muito satisfatória. Obrigado a todos que me honraram com sua opinião. Houve amigos que escreveram contando casos ocorridos tanto dentro de suas próprias famílias como com pessoas conhecidas. Destes selecionei apenas dois já que o espaço de que disponho para escrever não me permite alongar demais o texto, e se o fizer poderá se tornar uma leitura um tanto cansativa. As histórias são verdadeiras e meus leitores, informantes, ficarão no anonimato evidentemente. A maioria dos comentários fez referência também ao fato de que existe de certa forma o inverso, ou um certo preconceito de algumas pessoas negras com relação aos chamados brancos. Exemplificaram esta argumentação citando que é comum se ver pessoas ditas afro descendentes casadas com mulheres louras.  Aliás, desculpem, mas eu não entendo essa definição de “afro descendentes”. Concordo com um amigo que disse isto ter mais é conotação de preconceito muito mal disfarçado. No fundo, afro descendentes somos muitos de nós, brasileiros, ainda que brancos e mesmo tendo descendência européia por um dos ramos da árvore genealógica. E se no outro ramo houve no passado uma miscigenação com negros? Por que não? Deve ser mais comum do que se pense. Não duvidem.  Mas, é verdade que aquilo ocorre sim, por outro lado muitos são os casos também onde se pode aplicar a regra do “vice – versa”. Aliás, me coloco atualmente, com muito orgulho, na primeira fila deste “time”. Ao argumentarem sobre a evidência de casamentos de negros com mulheres brancas, um detalhe foi comum em todos: se referiam a pessoas afro descendentes bem colocadas, socialmente falando, ou bem sucedidas na vida. Claro, porém, que não se pode generalizar os exemplos. Estamos nos referindo ao Brasil, ou ao povo brasileiro exclusivamente, sem nenhuma intenção de estabelecer algum tipo de estudo sociológico, muito menos no âmbito internacional, para o qual não nos consideramos competente. Poderia acrescentar que não podemos nos esquecer de que neste país houve, historicamente, apenas um sistema de escravatura, ou somente num sentido: os brancos fazendo os da raça negra seus escravos. É verdade também que houve uma forte participação de negros, oriundos da África, na época pós descobrimento, no comércio de seus irmãos de raça. Claro que lucravam com o “negócio”. Concordo com os que criticaram o sistema de quotas, nas Universidades, atualmente estabelecido pelo Governo Federal. Ele visa a favorecer classes menos favorecidas, incluídos aí os afro descendentes, mas acabando por ser injusto no todo com alunos que obtenham notas melhores e não estejam inseridos naquela classificação. Pura demagogia de quem usa a política equivocadamente. Vamos agora às duas histórias, verídicas, que dois leitores amigos me narraram. A primeira ocorreu num dos bairros considerados chiques do Rio de Janeiro, e numa de suas principais avenidas. Uma senhora, na altura dos cinqüenta anos, cuidava de um senhor cuja doença se agravava a cada dia.  Os filhos dele parece que só iam “visitar” o pai no dia em que recebiam suas mesadas. Isto pode parecer esquisito, mas, acreditem, é bem comum, infelizmente, ainda mais quando a pessoa tem idade avançada e a má sina de uma doença cruel. O tempo foi passando e o mal se agravando a ponto de o referido senhor acabar por perder completamente os seus movimentos. Ele só não perdeu a fidelidade daquela senhora que esteve ao seu lado pelos longos e sofridos sete anos. É lógico que entre eles se formou uma forte amizade, uma proteção permanente dela para com ele. E ele, lúcido, mas sem movimentos. Até que um dia o senhor decidiu: ela não tinha nada, ele era muito agradecido a ela por toda aquela dedicação e queria lhe retribuir. O que fez? Chamou um padre e pediu que os casasse. Não fiquem surpresos, mas este se recusou a faze-lo. É verdade.  Ele estava mesmo decidido e então casaram-se no civil. Ato contínuo o senhor passou o apartamento para o nome da senhora, deixando-lhe igualmente a pensão pós morte, o que é de lei já que se haviam casado.  Os filhos entraram na justiça, fizeram um escândalo, era só o que poderiam fazer. Mas, ela ganhou, tinha a lei ao seu lado. A vontade dele fez justiça àquela magnífica mulher. Aí concretizou-se o preconceito maior: a igreja que tanto ela freqüentava não mais a aceitou no quadro do que chamavam de "rezadeiras". Provavelmente influência da “família” do falecido aliada ao preconceito que a mesma igreja finge combater. Mulher religiosa ela acabou trocando de templo. Deus estava para ela acima de homens, de batina ou não. Vamos agora à segunda história verídica a mim contada. O amigo tinha uma parenta, branca, muito branca mesmo, que se apaixonou por um homem negro, ou afro descendente. Acabaram casando alguns anos depois. A mãe da jovem jamais perdoou a filha, visto que alimentava, ou alimenta, um preconceito levado às raias do extremo, num radicalismo daqueles que acredito não termina nem no túmulo. Alguém profundamente infeliz, com certeza, pois não pode conhecer felicidade quem sequer reconhece o verdadeiro amor, o que se dá aos nossos semelhantes sem cobranças, sem regras, sem preconceito. Segundo me contou o amigo leitor aquela mãe sofre até hoje 10 anos depois do casamento. Chegou ao ponto de adoecer desde que a jovem se casou, e, por conta disso vive de cama. Deixou-se cair numa forte depressão que a obriga a tomar medicamentos. Estes podem até atenuar um pouco alguma dor física, todavia jamais curarão a doença maior… o preconceito. Vou encerrar com palavras da referida senhora. O meu leitor afirmou que ela, no inferno a que se lançou por conta de uma inaceitável intolerância, ou ódio irracional, costuma se lamentar e vive a repetir até hoje: “Não me conformo.”

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