RESSACA

    Circula na internet uma crônica sobre a ressaca, atribuída ao Veríssimo (desconfio da autoria), lembrando que as bebedeiras de antigamente eram mais dignas porque havia a consciência de que no dia seguinte se estaria queimando no fogo do inferno com náusea, dor de cabeça, azia, golfadas e; principalmente, cheio de dúvidas existenciais.               Constatei no texto que alguns dos remédios citados para se evitar a ressaca são "universais": Alka-Seltzer e duas aspirinas antes de dormir, uma canja de madrugada, um cálice de azeite antes da beberagem e, o mais popular, uma cerveja bem gelada ao acordar.             O autor descreveu alguns tipos de ressacas provocadas por bebidas e, uma delas, a de licor de ovos, é digna do Veríssimo: "Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite a eutanásia".             A conclusão do articulista é de que, atualmente, beber, perdeu a graça, pois não existe mais ressaca: as pessoas amanhecem saudáveis e bem-dispostas.  Não me lembro de ter ficado de ressaca nos poucos porres que tomei na vida. O que não se apagou da memória foram duas "saias justas" acontecidas no auge dessas bebedeiras.            Em uma dessas ocasiões, em Friburgo, em detrimento à minha namorada, declarei uma inventada paixão por uma componente da minha turma de rua. A "confissão" chegou ao conhecimento da "tal" que, imediatamente, veio propor os términos dos nossos respectivos namoros para que começássemos a nos "falar", como se dizia. Foi um custo convencê-la de que a inconsciente revelação – provocada pelo excesso de álcool – não retratava a realidade.              A outra vez foi já aqui no Rio: já bastante alegres, um amigo eu fomos a uma boate, onde, ao vislumbrar uma dançarina em trajes sumários, não hesitei em oferecer-lhe uma alta quantia por um programa. Somente depois de outros chopes, foi que me lembrei da oferta, ao percebê-la ao meu lado, pronta para sair. Argumentei que tudo não passou de uma brincadeira e que não tinha aquele dinheiro. Ela retrucou dizendo que havia perdido outras oportunidades por causa da minha proposta. A temperatura subiu e só voltou ao normal porque o meu amigo conhecia o dono da boate que se encarregou de acalmar a mulher.                       E "para variar", lá vem um mais caso friburguense: perto da minha casa, por falta de coragem, um morador solteiro e abstêmio convicto resistia em ir até a casa de uma senhora casada, a esposa de um caminhoneiro, com fama de ser um violento matador.            Um dia o tal morador tomou pela primeira vez umas cachaças, se encheu de bravura e foi ter com a mulher na casa dela. Quando estava aos beijos e abraços ouviu um buzina de caminhão estacionando em frente à residência. A cena que se sucedeu só foi entendida pelos que a assistiram depois de terem tomado conhecimento do caso. Sem notar que o caminhão não era o do marido da amada, o sujeito – de mãos para cima – apareceu na calçada tremulo e gaguejando: – "Pelo amor de Deus, não atira! Eu juro que não deu tempo de comer!"            Foi a única vez que bebeu na vida, mas dizem que a ressaca dura até hoje.

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