SÍNDROME

    Costumeiramente, doutores dos males do corpo humano costumam classificar como virose algum mal que não conseguem diagnosticar. Já os que cuidam das coisas da cabeça atribuem às incertezas a alguma síndrome que, definida pelo dicionário, significa viver em um estado mórbido caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas. Nos deslocamentos a trabalho pelo Mecir, conforme for o grau de beleza da metade feminina, a parte masculina – se reparar bem nas diferentes formas de tratamento – vai começar a desconfiar que é vítima desse tal estado mórbido.  As viagens de numerário das quais participo são aproveitadas, por questões orçamentárias, para a realização de matérias para o informativo do departamento. E como para essas missões a minha parceira é sempre a mesma, as diferenças de tratamento são evidentes. Começam logo na saída do prédio aqui no Rio, quando surgimos na calçada interditada aos transeuntes pela polícia. No caminho em direção até a veraneio que fará parte do comboio e que – com o trânsito interrompido por batedores e sirenes espalhafatosas – irá até o aeroporto, nunca sou agraciado sequer por um indiferente olhar dos espectadores. Todos as invejosas e admiradas atenções estão grudadas na mulher que – com porte de atriz – tão rapidamente quanto surgiu, desaparece atrás de possantes óculos escuros no interior do veículo.No avião cargueiro novo sintoma da indiferença: são dois lugares disponíveis e na cabine. Ou melhor, um e meio. Isso porque se o comandante resolver dar ré no seu banco para pilotar, quem está atrás vai viajar de pernas abertas. Como a tripulação geralmente é masculina, não adianta reivindicar: a poltrona “nove e quinze” é minha. No aeroporto de destino tudo corre com a normalidade e vagarosidade habitual até que dois dos integrantes da segurança descobrem aquela presença feminina na pista. Daí para fazerem malabarismos em pé na garupa da motocicleta para chamar a atenção só falta – literalmente – darem alguns pulos no assento. O passeio noturno promete quando ela desfila seus cabelos louros e seu demolidor sorriso em cima do "modelito" composto por blusa e saia preta e sapato de salto pelo burburinho proporcionado pelo dia de Olodum, entre ladeiras, lojas de artesanatos, bares, cabelos rastafaris e um sem número de turistas. Os olhares de admiração e inveja dirigidos que lhe são dirigidos e os de indignação em minha direção, não me impedem de receber – graças a ela – descontos e pronto atendimento.O ápice da noitada fica por conta de um travesti que, ajoelhado a seus pés e sem olhar em minha direção, diz que ganhei na loteria ao ter casado com uma deusa da beleza.  Numerário entregue, fotos tiradas, entrevistas e matérias alinhavadas: missão cumprida!No avião de volta, ao meu lado, ela retoca a maquiagem e vagarosamente passa batom nos lábios. Observando a cena em diagonal, através do espelho de mão em que ela se reflete, finalmente, diagnostico a síndrome que me acomete: a de mulher bonita.   

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