SOBRE CELULARES

           Conforme já escrevi por aqui, sou resistente ao aparelho celular. Reconheço-lhe a utilidade, mas não suporto suas inconveniências. Acho que a solução estaria num código do usuário, com sanções e multas, para que possa ser utilizado com racionalidade.       Outro dia li o Carlos Heitor Cony afirmar que das muitas coisas que não entende, uma é a mania dos usuários de celular fazer com que outros participem das suas venturas e desventuras.       Escreveu que, num restaurante, uma senhora falava com uma amiga que lhe contava com detalhes do recém terminado casamento da filha. De início, não ligou, mas era impossível não saber de uma união que terminou no segundo dia da lua-de-mel. Os comentários da vizinha, aos poucos, se tornaram perplexos e terminaram escandalizados: “Não, não me diga, “Não acredito!”, “O quê?”..        Depois, houve um silêncio em que a senhora, olhos arregalados, apenas ouvia o que a outra contava. Durou pouco o silêncio, e a vizinha, exclamou: “Não é possível, o quê???, Por trás?”.         Pessoalmente, estive em duas situações constrangedoras por causa de diálogos em celulares. A primeira, numa van, sentei entre duas “rechonchudas” senhoras. Por incrível que pareça, ambas cismaram de tirar as suas diferenças com os companheiros, pelo telefone, ao mesmo tempo, em voz alta e naquele momento. E eu ali no meio.         A brigalhada se tornou tão intensa que os demais passageiros silenciaram. De vez em quando alguém virava para trás em direção das brigonas, mas, no fundo, era para saber quem era aquele pobre coitado “ensanduichado’ por aquele falatório. Escondidos sob os penalizados olhares, estavam irônicos sorrisos…           E a outra vez aconteceu num desses “frescões”: havia outros lugares, mas resolvi sentar ao lado de um senhor bem magrinho, miudinho, quase que imperceptível, que estava junto à janela.           No meio da viagem, porém, ele sacou o celular e falou de maneira que todo mundo ouvisse: – “Tereza! Esta é a última vez que falo com você. Se eu morrer, já avisei a todo mundo, lá no Tribunal, que foi uma armação do seu filho e daquele seu amantezinho!”. Desligou, guardou o celular e voltou a ficar mudo.Passados cinco minutos voltou ao ataque: – “Tereza! Esta é a última vez que você ouve a minha voz. Nem você, nem seu filho, nem seu amantezinho, vão ficar com meu dinheiro…” Durante a viagem, foi repetindo o gestual: liga-desliga-pausa. Lá pelo quinto e “último” telefonema, alguns passageiros começaram a ir ao banheiro. Mas, era apenas uma forma de ver quem era aquele “chifrudo” que ameaçava com sanções a ex-mulher. Como eu estava sentado no corredor e o velhinho pequenininho lá na janela, os olhares de reprovação foram todos atirados em minha direção.Minha sorte foi que, em ambas às vezes, pude saltar no meio do caminho e me livrar dos “micos”. Já o destino do Cony foi diferente. Contou que, após aquele último detalhe (“por trás?”), a conversa acabou e ele pode voltar a comer. Mas, por pouco tempo. Desligado o celular, a senhora ligou-o outra vez. Entrou de sola no assunto: – “Você não imagina o que acabei de saber!”.

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